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CRÍTICA: À PROVA DE MORTE / O sonho de qualquer crash test
Três coisas que o Taranta parece gostar: pés, carros, e Kurt Russell. Como parece que À Prova de Morte (Death Proof) não vai chegar ao Brasil de modo nenhum - já foi adiado duas vezes; tava marcado pra hoje e sumiram com a data de novo - decidi falar dele de qualquer jeito. Vai que tá saindo em vídeo. Já é hora! À Prova é uma das duas partes de Grindhouse, que o grande Quentin Tarantino fez com seu amigo Robert Rodriguez. Robert fez Planet Terror, Taranta filmou À Prova, e ambos inventaram alguns trailers hiper trash pra colocar no meio. Grindhouse, uma homenagem ao cinema sexploitation dos anos 70, foi lançado inteiro nos EUA, mas fracassou feio. Pelo jeito, ninguém fora a dupla tava com saudades de filmes trash dos anos 70.
Eu não consegui nem ver o troço no cinema. Quando cheguei nos EUA, em agosto do ano passado, ele já tinha saído de cartaz (façam os cálculos: tem mais de um ano e meio que ele passou por lá, e nada de chegar ao Brasil). Pouco depois vi Grindhouse em dvd, e não gostei. Planet Terror não me agradou. Achei um trash puramente convencional, sem releituras, sem pós-modernismo nem nada. Se tivessem me contado que aquele filme é dos anos 70, eu acreditaria. Não vejo propósito em torrar dinheiro pra fazer um filme caríssimo que imite um trash. Passa qualquer trash daquela época que dá na mesma, ué. Além disso, os trailers inseridos no meio não me trouxeram boas lembranças. É tudo mal-feito, machista pra chuchu, com muita violência. Quando chegou a hora do filme do Taranta, eu já tava impaciente e de saco cheio. Meses depois, ainda em dvd, decidi rever só o do Taranta, À Prova, e ele funciona melhor desvencilhado do resto. Mas tá longe de ser um grande filme.A história é mínima. Amigas ficam conversando num bar. Surge o Kurt Russell, um sujeito misterioso que, descobriremos depois, é um total psicopata, com um jeito peculiar de matar suas vítimas. O ato final mostra três moças enfrentando o Kurt. E a verdade é que a trama me deixou um gosto ruim, de perversão, de maldade. As cenas de ação, dos acidentes automobilísticos, são o máximo, o sonho dos dublês. Mas esse quê de perversão me fez lembrar Crash, a produção do Cronenberg que mais odeio. O serial killer dublê certamente sente prazer sexual ao eliminar suas vítimas.Porém, pra quem adora o Taranta (como eu), À Prova oferece montes de toques tarantinescos e auto-referências, como a fixação com os pés, a presença do xerife caipira texano e seu “Son Number 1”, o ring tone do celular, que toca a musiquinha da cena do hospital de Kill Bill, carro amarelo, massagens nos pés, “chicks who love guns” (garotas que adoram armas, homenagem a Jackie Brown), e muitas outras que eu certamente deixei escapar, além de ótimos diálogos e trilha sonora, marcas registradas do diretor de Pulp Fiction. Há também referências a outros clássicos que não foram feitos por ele, tipo matar sem dó personagens centrais (à la Psicose), e fazer com que o rosto do Kurt demore a aparecer por inteiro, o que lembra Encurralado. Mas a maior inspiração vem mesmo de Corrida contra o Destino (Vanishing Point, 1971). Como eu não sou tão chegada a carros, confesso que Corrida me faz dormir. Mas tá cheio de homem que ama esse filme, e o Taranta é um deles.Já em seu primeiro filme, o bárbaro Cães de Aluguel, Taranta foi acusado de ser machista porque lá praticamente não há mulheres. Ele respondeu às críticas dizendo que o filme inteiro trata de um assalto, e os caras não levam suas namoradas a esse tipo de programa (deixando transparecer que quem assalta não é mulher). Mas essa reclamação deve ter mexido com ele, porque em Jackie Brown e Kill Bill, as mulheres são protagonistas absolutas. Em À Prova ele consegue fazer um filme machista tendo mulheres em papéis de enorme destaque. É machista porque, apesar da auto-confiança de algumas personagens femininas (e do final, puro girl power), elas acabam sendo vítimas, e da forma mais misógina possível. E não é engraçado deixar uma moça vestida de cheerleader sozinha com um caipira, aiinda mais logo depois de mencionarem estupro.Sem falar que uma das personagens até faz um lapdance no seu algoz (uma cena erótica, feita pra platéia masculina, tal qual a da Salma Hayek em Um Drink no Inferno). É o que a Laura Mulvey disse há trinta anos sobre o olhar masculino, o male gaze. Quando um diretor coloca em cena uma mulher fazendo um strip tease ou, no caso, uma dança erótica, e coloca um homem em cena olhando pra essa mulher, temos um olhar duplo: do personagem homem olhando e desejando a mulher, e do espectador homem olhando e desejando a mulher. É uma justificativa pra servir a mulher de bandeja pro público. E como tem inúmeros closes de bundas em À Prova, né? Faça-me o favor. O segundo maior fetiche é com os pés, o terceiro é com bundas. O fetiche principal é com carros mesmo.Mulheres auto-confiantes vão já já correr perigo.
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