Toda vez que falo de um filme com o Jim Carrey eu me repito: explico que sou fã número um dele desde “Truman Show”, que ele é o herdeiro do Jerry Lewis, que é um gênio da comédia, etc etc. Mas, depois de ver “As Loucuras de Dick e Jane”, percebi que ele também se repete, seguindo um padrão. As produções dele começam bem e são divertidíssimas durante dois terços do tempo. Daí elas morrem. E morrem porque ficam sérias, porque precisam transmitir alguma mensagem edificante provando que o Jim é mais que um cara engraçado – ele é um cara legal, com consciência moral e ética. É isso que acontece em “Todo Poderoso” e em “O Mentiroso”, quando começam a ensinar pra gente que mentir é feio, e a gente boceja. E é o maior problema de “Dick e Jane”. O terço final não tem nada a ver com o resto.
Mas até chegar lá a comédia é uma delícia. Eu, pelo menos, chorei de rir. Não rolei de rir porque isso implicaria num problema de peso, e fora isso não há espaço nas salas. Acho que o respeitável público me acompanhou. Seria interessante instalar um risômetro no cinema pra comprovar o que digo, que o filme morre no seu último ato. As risadas despencam mais que as ações da companhia onde o personagem do Jim trabalha, uma espécie de Enron.
Ish, mas melhor começar pelo começo. “Dick e Jane” é uma refilmagem de uma comédia de 77 com a Jane Fonda, que passou aqui com o título “Adivinhe Quem Vem para Roubar”. Eu não vi. Dizem que no original a batalha dos sexos é mais forte. Por exemplo, a Jane aprende que tem duas opções de carreira, secretária ou prostituta. Ao que seu marido retruca, “Eu eliminaria a opção de ser secretária”. Outro pontinho que talvez você precise saber pra compreender os desenhos da abertura e o pôster é que o “Dick and Jane” deles é o nosso “Vovô vê a uva”, essas historinhas usadas na alfabetização. Bom, Dick e Jane, ou Jim Carrey e Téa Leoni, no caso, ficam na pior financeiramente quando a empresa do Jim quebra. Ou seja, é uma total ficção, já que americano de classe média pra gente é rico, classe média não passa fome, e eu não tenho pena de americano. Mas o padrão de vida do casal vai caindo até que eles decidem roubar. E eles não vão virar assaltantes bem trapalhões pra dar aos pobres, mas pra acabar de instalar a Jacuzzi no quintal. Isso é, até o Jim pôr a mão na consciência por algum motivo mal-explicado e ele se tornar um cara legal prestes a salvar a humanidade. Eu preferia quando a preocupação dele era com a Jacuzzi.
A Téa, que eu já pichei bastante por “Impacto Profundo” e “Parque dos Dinossauros 3”, faz um ótimo par com o Jim. É de chorar de rir a cena em que os dois escolhem bolinhos enquanto roubam um café. Ah, e quando têm que confiscar a televisão do filho. E quando tomam banho usando os regadores de grama do vizinho. E as cenas do elevador e do aparelhinho de mudar a voz mostram todo o talento do Jim. Como você pode visualizar, é tudo um humor bem físico, que é a praia do Jim. De quebra, tem o Alec Baldwin fazendo o canalha executivo, especialidade dele desde “O Sucesso a Qualquer Preço” (mas seu papel em “Tudo Acontece em Elizabethtown” é mais relevante).
Há quem reclame de “Dick e Jane” porque a crítica ao consumismo e mesmo ao corporativismo não vai muito longe. Mas vamos ser francos. Ninguém vai ver uma comédia do Jim esperando sair da sessão mais revoltado com o capitalismo selvagem. É até estranho que um astro multimilionário se lembre das vítimas da Enron. Olha, pro pobre coitado que se confundiu e entrou no cinema errado, recomendo a comédia independente “Luta de Classes em Beverley Hills” e o documentário “Os Caras Mais Espertos da Sala: A Surpreendente Ascensão e Queda da Enron”. “Dick e Jane” é pros alienados fãs do Jim. E, como disse a bilheteira, o filme é um sarro. Pelo menos até o seu terço final.