CRÍTICA: BASTARDOS INGLÓRIOS / Mais uma obra gloriosa do bastardo
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CRÍTICA: BASTARDOS INGLÓRIOS / Mais uma obra gloriosa do bastardo


Uma surpresa e Christoph Waltz, que rouba todas as cenas.

Fui ao cinema ver Bastardos Inglórios com meu olhar de esquilinho maníaco. Sabe, feliz da vida, sem conseguir conter um largo sorriso, com os olhos brilhando. Isso porque adoro o Tarantino e porque BI seria o primeiro filme dele que vejo em tela grande desde Kill Bill, Volume I, em Montevideu. Kill Bill 2 eu vi em Joinville, verdade, mas só semanas após vê-lo no computador. E seu último, À Prova de Morte, eu vi em Detroit, mas em dvd. E, como se o Taranta lesse minha mente, ele incluiu um esquilo no diálogo de BI, comparando esquilo com rato. Senti que foi uma homenagem mediúnica a mim.
Bom, isso foi na sexta, e devo confessar que gostei de BI, mas não adorei. Até pensei, ih, vai ser um Taranta que vou levar um tempinho pra aprender a amar, tipo Jackie Brown (que hoje amo de paixão). Aí fui ver de novo no domingo, e agora posso dizer com todas as letras que adorei. Digo até que estou ansiosa pra ir mais uma vez. E por isso não tenho paciência com pessoas tipo minha mãe, que disse que iria esperar minha crítica pra ver se valia a pena ver BI. Como assim, mami? É um legítimo Tarantino, pô! Quem ama cinema não pode pular um filme dele. Quero dizer, conheço os argumentos dos detratores: o carinha é muito violento, coloca um monte de referências, é tudo meio amoral, prefiro cinema europeu. E, no caso de BI, ainda por cima, ele comete o ultraje de deturpar a Segunda Guerra. Sim, tem bastante israelense reclamando que os personagens judeus de BI são movidos à vingança, numa tentativa revisionista de reescrever a história (falaram algo parecido de Munique). Sem dúvida, o filme reescreve a história. Mas é complicado ver BI com olhos mais sérios, esperando um documentário. Palavras como holocausto e resistência não vieram uma vez sequer a minha cabeça. Lista de Schindler? A gente tá falando de universos paralelos. Consciência moral, trauma? O Taranta não tá interessado nisso. BI não é baseado em fatos reais. A Vida é Bela também não é, e o Benigni até ganhou um Oscar (ok, melhor não falar nisso). BI é dividido em cinco capítulos (veja o trailer aqui), e achei essa divisão um tanto desnecessária. Mesmo na segunda vez que vi o filme, continuei gostando mais dos três capítulos finais que dos dois primeiros. Muita gente ama o primeiro, homenagem clara a Era uma Vez no Oeste misturado com Rastros de Ódio. Minha opinião sobre essa sequência é que ela é um pouco longa e fria demais. Não me fisgou completamente. Mas o que adoro nela é que ela frustra todas as nossas expectativas. O pai vai matar os nazistas? Os nazistas vão matar todo mundo na casa, não sem antes estuprar as meninas? E, lógico, como que essa matança toda vai acontecer? O cachimbo terá alguma importância, ou às vezes um cachimbo é apenas um cachimbo? Essas coisas. Prepare-se, porque não há um só elemento previsível em BI.
No fundo, quem vai esperando um filme de guerra pode se decepcionar, porque BI tá mais pra um faroeste noir de guerra, com pitadas da mais alta comédia. Mas é também um filme sobre a paixão pelo cinema. Como explicar sem entregar demais? Vejamos: entre os personagens, há um projecionista, uma dona de cinema, um crítico, e vários astros e estrelas. Além de muitos diálogos sobre filmes, o clímax se dá durante uma sessão. Taranta pinta o cinema como algo inflamável, com poder de fazer o circo pegar fogo (ele não gosta de cinema digital. Pra ele, tem que ser película. E reparem o jeito que ele encontra pra homenageá-la). Tem uma hora em que o Brad Pitt, na expectativa de presenciar um de seus homens bater num nazista com um taco de beisebol, diz: “É o mais próximo que temos de ir ao cinema”. Ou seja, BI é um metafilme. E um megafilme também, se me permitem o trocadilho infame. Não é a toa que o Hitler diz pro Goebbels, “Este é seu melhor filme”, ou que BI termine com um personagem olhando pra câmera e falando “Esta pode ser minha obra-prima”. E BI é sobre sotaques também. É falado em quatro línguas (inglês, alemão, francês e italiano), sem nenhuma concessão pra americano-preguiçoso-que-reclama-de-ler-legenda. Só o Taranta pra conseguir fazer um filme onde os personagens alemães são interpretados por atores alemães, os franceses por franceses, os americanos por americanos, e por aí vai. Uma atriz pergunta ao Brad se há alguma outra língua que eles, americanos, arranham, sabendo que essa pergunta é ridícula, porque tem aquela piadinha, né? (Como se chama alguém que fala várias línguas? Poliglota. E quem fala três? Trilíngue. E quem fala duas? Bilíngue. E quem fala só uma? Americano). A sequência mais hilária é quando americanos precisam falar italiano. E é nessa cena que toda a caracterização exagerada do Brad se justifica. É de chorar de rir (e olha, fazer o público gargalhar alto no meio de grande tensão não é pra qualquer um). O espião inglês (o belo Michael Fassbender) se fingindo de nazista chama a atenção por ter um sotaque alemão suspeito, não identificável. Num fórum, li que o alemão dele realmente é esquisito (eu não saberia, já que não falo nadinha). E alguém perguntou: esquisito como?, como um estrangeiro falando alemão com sotaque forte? E a pessoa respondeu: não, nada do tipo. É um alemão perfeito, mas esquisito como o John Malkovich falando inglês. Ah, tá!
Olha só, BI traz vários idiomas e sotaques, homenagens mil ao cinema, mistura de gêneros, diálogos intermináveis, e ainda closes esquisitos de objetos (como chantilly)... Pelo jeito, o Taranta fez um filme europeu. É o diretor americano mais bastardo que há.
Segunda parte da crítica de Bastardos Inglórios aqui.




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