CRÍTICA: CAVALEIRO DAS TREVAS / O legado do Heath
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CRÍTICA: CAVALEIRO DAS TREVAS / O legado do Heath


Ele merece os aplausos

Antes de Cavaleiro das Trevas começar, o maridão virou pra mim e revelou suas baixas expectativas. Assim que o filme terminou, ele declarou ter odiado tudo. Só tô citando o caso por ser uma raridade: o maridão era uma das poucas pessoas que não tinha grandes expectativas com a aventura mais aguardada do ano, e talvez a única a tê-la detestado. Ou seja, eu e ele brigamos. Estou entrando com a papelada do divórcio agora. Porque eu adorei Cavaleiro.

Mas não foi assim o filme inteiro. Até a metade, por aí, eu tava com algumas birrinhas contra ele. Não gostei do lindo e charmoso Aaron Eckhart (de Erin Brokovich) como Harvey Dent declarando “Buy American” (compre produtos americanos), numa crítica a uma arma made in China. Ou do Bruce Wayne namorar quem deve ser a bailarina mais peituda da história do balé clássico. Fora isso, algumas explosões me cansaram. E as cenas de luta do Batman não funcionam. Ele só chega e bate em todo mundo. Bem quadrinhos mesmo, só faltou o Pow! Sock! Pof!, tudo escuro e rápido demais. Fiquei pensando na necessidade de tantos personagens e de mais de um vilão. Não dava pra deixar o carinha que vira vilão pro próximo filme? Eu certamente gostaria de ter visto mais do confronto entre Coringa e Harvey Dent no hospital, e muito menos da cena em que Batman sequestra o contador chinês. Há tantos personagens que alguns aparecem e desaparecem sem grandes explicações (tipo, eu devo ter piscado na cena em que a Maggie Gyllenhaal é levada pra ser amarrada a barris de óleo). E quando começou a cena dos dois barcos e a diversão do Coringa, pedindo pra que o pessoal fizesse uma escolha a la Jogos Mortais, chiei: “Isso não vai dar certo”. Mas a resolução dessa sequência é mais que satisfatória - é emocionante até. O prisioneiro pegando o detonador do guarda e falando “Vou fazer o que você já deveria ter feito”, me fez derramar umas três lágrimas. No fim a trama fecha tão bem que eu perdooei os excessos. Aquele vilão que eu queria dispensar de repente soou fundamental. De tudo, eu só cortaria bastante as cenas com a Maggie, coitada. Não sei como o pessoal pode falar mal da Katie Holmes no Batman Begins. Não lembro dela, mas imagino que sua participação era mais relevante que esta da Maggie. Quer dizer, êta papelzinho ingrato esse de namorada de super-herói. Ela só serve pro vilão ameaçá-la diversas vezes, e pro herói ter que decidir na hora H se vai salvar seu amor ou o mundo. Geralmente ele consegue salvar os dois. Eu também picotaria o personagem do Gary Oldman, o comissário Gordon. Não vou ver Batman pra encarar dramas de mulher e filhinhos de um coadjuvante.

Aliás, pelo jeito, não vou ver Batman nem pra ver o Batman. É pra ver o Coringa mesmo, que personifica o mal absoluto. No fundo, ele é um terrorista sem causa. Não quer dinheiro (adoro a parte em que ele ateia fogo a uma montanha de dinheiro e diz pra um mafioso desesperado: “Não se preocupe, só estou queimando a minha metade”. Porque queimar e rasgar dinheiro é parecido: tem que ser louco pra fazer isso), não quer poder, só quer o caos total. E trazer à tona a maldade das pessoas. Tenho apenas uma pequena reclamação contra esse monstro. Suas duas primeiras entradas (sem contar a do assalto ao banco, que mal dá pra ver o rosto dele e saber quem é quem entre os mascarados) são triunfais, mas suas saídas são anti-climáticas. Compare: ele interrompe a reunião da máfia com aquele “truque” de mágica do lápis, e sai... mostrando um casaco com granadas?

Não importa muito, eu sei, porque o Heath Ledger está absolutamente brilhante. Seu Coringa não traz nenhum resquício daquele do Jack Nicholson (que, na época, foi um ícone). Um ator menor reverenciaria o Jack, faria homenagens e tal, mas não o Heath. Ele tá muito mais maníaco. Seu olhar (meio fosco, só raramente o olho brilha), seu andar, sua voz, permitem uma reconstrução perfeita do personagem. Na cena do interrogatório na prisão ele lembra um pouco o Hannibal Lecter, mas Heath disse ao Gary Oldman que sua inspiração tinha sido o Alex de Laranja Mecânica. De todo modo, sua interpretação é única, e realmente marca o Coringa como um dos grandes vilões da história do cinema. É difícil prever, mas desconfio que, mesmo que Heath não tivesse morrido, os elogios seriam os mesmos. Ele carrega o filme, rouba todas as cenas, é o centro das atenções. Lembre-se que a gente começou a ver os teasers e trailers ano passado, meses antes da sua morte, e o foco já era todo nele. Eu lembro do primeiro teaser que vi. Como sou desligada e nem procuro saber muito sobre um filme antes de vê-lo, recordo ter visto aquele Coringa e pensado: “Quem é esse ator? Uau, tá super bem!”. E fiquei surpresa ao descobrir que era o Heath, porque não dá pra dizer que essa é a mesma pessoa que fez Brokeback Mountain. No Bruce do Christian Bale, que é outro grande ator, há vários traços de Psicopata Americano. A gente vê que o Morgan Freeman (mais um grande ator) faz quase sempre o mesmo papel. Mas a mudança do Heath, o mergulho dele no Coringa, impressiona. E, no final de Cavaleiro, muito mais do que em janeiro, eu realmente lamentei a sua morte.

Não sei se esta frase, dita pelo Harvey Dent, poderia se aplicar ao Heath: “Ou você morre como herói ou você vive o suficiente pra se ver virar o vilão”. Será que, se Heath tivesse vivido mais que seus 29 anos, teria feito filmes tão ruins que morreria como um ator menor, depois dos triunfos do começo de sua carreira? Não sei (este é um dos temas de Cavaleiro – sobre precisar ou não de heróis, e de que tipos, e sobre a maldade e bondade humana). Também não sei se este Batman é uma obra-prima, porque há falhas, mas que tá na lista dos melhores filmes sobre super-heróis já feitos, bom, é meio impossível discordar. Só sei que, lá pelas tantas, Batman pergunta ao Coringa por que ele quer matá-lo, e o malvadão responde que não quer isso: “O que eu faria sem você?”. É uma pergunta que o Batman – e toda a equipe do próximo filme deve estar se fazendo por conta da morte do Heath Ledger.Desta vez a montanha de dinheiro usada pra fazer um filme (185 milhões de dólares) não foi torrada em vão.





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