Pode ser que por pensar nisso me desconcentrei de "Colateral", ou pode ser que perdi o interesse porque o filme vai do improvável ao impossível e do estúpido ao muito estúpido em questão de minutos. Na sessão que eu fui tinha gente morrendo de rir das bobagens da história. Se você viu o trailer, você conhece. O Jamie Foxx é um taxista de L.A. que, numa noite, sem querer, abre seu carro prum Tom Cruise de cabelos grisalhos, que faz um assassino de aluguel contratado pra eliminar cinco desafetos. O filme quer fazer crer que o Tom é o bambambam da profissão, mas, sei lá, já na sua primeira encomenda a vítima cai logo em cima do capô do táxi. Aí o Tom decide que o natural é continuar andando num táxi quebrado com manchas de sangue, algo que talvez atraia a atenção da polícia, sabe? E, pro quadro ficar completo, o carro leva um cadáver no porta-malas. Indivíduo competente, esse Tom. Tudo que ele tem que fazer é matar o taxista, pegar outro, e seguir sua rotina. O que me faz concluir que deve ser muito difícil conseguir táxi em L.A. (Aliás, por que cargas d'água alguém pegaria táxi se, a julgar pelas últimas cenas do filme, o metrô da cidade é de graça?).
Se a idéia do Tom é matar o taxista após matar suas encomendas (que, por coincidência, são todas testemunhas de acusação – imagino que algum detetive mais esperto iria desconfiar), e simular que foi tudo obra do taxista, o Tom seria mais discreto, né? Quilos de gente vêem os dois juntos. Mas enquanto são só os dois, o filminho até que é legal. Até me lembrou um tiquinho um thriller que eu adoro, "A Morte Pede Carona". Mas em seguida entra toda a força policial da metrópole e o FBI de lambuja, e a aventura perde seu caráter mais intimista. Lógico que adiante todos os policiais somem de vez. Acho que o Tom liquida mais tiras que o Schwarzza em "Exterminador do Futuro". Mas eu realmente não entendi por que o Tom não mata o taxista. Como o filme não fornece explicação, a gente tem que acreditar na ridícula lógica do assassino: existe uma conexão mítica entre eles, okay? Ai meu Deus. A verdade é que desde o bárbaro "Silêncio dos Inocentes" as longas conversas entre algoz e vítima ou entre detetive e psicopata viraram moda. "Colateral" ainda tem um quê de diálogos tarantinescos, com a diferença que os do Tarantino não envolvem metáforas falando de, hum, Papai Noel (não tô inventando).
E que diabo é aquele lobo passando? E o que é aquilo que passa antes do bicho? Outro coiote? Um gato? Cervo é que não é... Acho o máximo essas metáforas que podem significar qualquer coisa. Ah, a cena final do metrô pode ser homenagem a quinhentos filmes que têm alguma cena no metrô. Mas também pode ser referência honrosa ao primeiro filme de grande sucesso do Tom, “Negócio Arriscado”, não pode? Cada um vê o que quer. Só que "Colateral" não é inteligente nem profundo, e tenho a impressão que nenhum crítico estaria usando esses adjetivos se o filme não fosse do Michael Mann, que virou queridinho desde “O Informante”. E, você sabe, quando um diretor é bajulado pela crítica, TODOS os seus filmes, inclusive as bombas anteriores, ganham status de obra-prima. É um privilégio vitalício e retroativo, vide Clint Eastwood. Tá acontecendo por muito menos com o Mann. E olha que “O Informante” não é nenhum “Imperdoáveis”, nem de longe.
E que negócio é esse que "Colateral" é incrível porque os personagens são bem-desenvolvidos? Só colocar duas frases na boca de um sujeito falando sobre sua infância e mais duas na boca de outro explicando sua motivação não faz esses caras mais especiais, pô. É aquele clichê: a gente quer que o assassino seja cool? Fácil: vamos fazê-lo gostar de jazz. Uau, e ele é existencialista? Quantos assassinos no cinema recente não são?
"Colateral" tem montes de cenas filmadas em vídeo digital, o que tirou minha concentração. Ou eu tava pensando no salário do taxista, ou nessas imagens que às vezes viravam de televisão. E depois o pessoal reclama da linguagem televisiva de "Olga"... Conselho pro Jayme Monjardim: mude seu nome pra Michael Mann. Aí você vai poder fazer os filmes mais banais e os críticos vão achar tudo genial. Não tem erro.
P.S.: O título desta crônica não faz sentido? É uma homenagem a "Colateral", um título que também não quer dizer nada.