CRÍTICA: DJANGO LIVRE / Dólares furados
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CRÍTICA: DJANGO LIVRE / Dólares furados


Foxx ensina Franco Nero a pronunciar Django com o D mudo

Como já manifestei inúmeras vezes, sou super fã do Tarantino. Ele é, sem dúvida, um dos grandes diretores do cinema. Mas achei Django Livre um porre. Não vou dizer que achei chato, porque pouco depois vi Lincoln e reavaliei todos os meus critérios de tédio absoluto. Mas pô, precisa de quase três horas pra contar uma simples historinha de vingança?
E não é uma história épica à la Kill Bill, em que a noiva tem uma lista de meliantes que precisa eliminar. Não.
Tudo que Django (Jamie Foxx) tem que fazer é chegar até sua esposa, matando todo mundo (ninguém que ofereça muita resistência, ao contrário de Kill Bill) pelo caminho. Pronto. Como pano de fundo, a escravidão nos EUA. Ok, talvez seja mais que um pano de fundo, mas só numa indústria cinematográfica que fala tão pouco sobre a escravidão é que Django recebe algum destaque. 
Entendo a frustração do Spike Lee, maior diretor negro dos EUA. Ele disse que não veria Django, e que a escravidão não foi um faroeste, e sim um holocausto. Eu adoraria ver o Spike dirigir algo sobre o tema.
Pessoalmente, não tenho problemas que Django Livre repita o insulto racista nigger mais de cem vezes. Era o termo que as pessoas usavam na época em que se passa a historinha, alguns anos antes do início da Guerra Civil Americana, em 1861. Claro que não tenho problemas com a violência tarantinesca. Eu gosto. E estou completamente acostumada a ver filmes em que um personagem branco (no caso, o Dr. King Schulz) serve como mentor do personagem negro e guia do público branco.
Mas é triste ver o Taranta, que quase sempre apresenta mulheres fortes e marcantes, criar uma personagem tão zero à esquerda quanto a interpretada por Kerry Washington. Ela é inútil. Depois de anos sem ver o amado, a primeira coisa que ela faz é desmaiar, tal qual uma donzela. E ela só desmaia pra que os dois homens no recinto possam compartilhar uma piadinha entre eles (como pode ser visto no trailer). 
Aí a gente fica esperando que a única outra mulher do filme, a irmã do dono de escravos, se destaque de alguma forma. Não, nada. Não lhe é permitido nem ser má o suficiente. Ela talvez seja lembrada pela patética e cartunesca cena de sua morte, e mais nada. 
Os personagens são tão rasinhos que ainda bem que temos o dentista que virou caçador de recompensas (Christoph Waltz, reprisando o charme de sua atuação em Bastardos Inglórios. Pelo jeito ele fará sempre esse papel com o Taranta, e sempre ganhará o Oscar) pra que possamos nos identificar. Quem vai ao cinema é a classe média, majoritariamente branca. E é interessante observar como esse público se comporta diante de Django (ou de qualquer história de opressão). 
Toda pessoa branca tem certeza que se rebelaria contra a escravidão e se negaria a ter escravos se vivesse 150 anos atrás. Se bobear, até as pessoas que chamam negro de macaco (brincando, claro!) e são contra as cotas raciais pensam que, no tempo da escravidão, lutariam pela abolição. Dr. King Schultz está lá pra que a gente se sinta bem, sem culpa, vingada. 
E lógico que é mais fácil se identificar com Schulz que com Django, com Waltz que com Foxx. Mesmo que Waltz esteja repetindo o Coronel Landa, ele é tão melhor ator que Jamie Foxx... Certo, confesso: não gosto do Foxx. Ele só tem uma expressão (duas em Ray), e é incapaz de demonstrar qualquer senso de humor.
Li que Taranta queria Will Smith pra fazer Django. Smith, limitado também, daria um herói engraçado. Mas e os ecos da bomba As Loucas Aventuras de James West, não apareceriam para assombrá-lo? Enfm, não é culpa do Foxx. É da ambição do Taranta, de gastar 83 milhões de dólares pra fazer um filme que pareça baratinho como um spaghetti western. Ele sabe melhor que ninguém que, paródia por paródia, Banzé no Oeste é muito superior a Django.
Não creio que o filme seja racista, mas ter um personagem negro que aprende (com um branco) a se tornar um super assassino não faz de Django um libelo de libertação. O herói não tá nem aí com outros negros oprimidos. O que ele quer é resgatar a esposa. E o filme trata todos os escravos como Django os trata -– como idiotas passivos que dependem de instruções pra decidir o que fazer. 
A péssima sequência em que Django se encontra com um carinha feito pelo próprio Taranta (que nunca foi bom ator, mas aqui está muito abaixo da média) é vergonhosa. Três escravos observam tudo com cara de besta, sem terem voz. E isso depois que o vilão Candie (Leonardo DiCaprio, sempre ótimo) faz a terrível pergunta: “Por que eles não se revoltam?”
O pior vilão do filme, aliás, tá longe de ser Candie. Ele é só um pomposo e cruel dono de escravos, como tantos outros. Mas quem a gente odeia mesmo, e o filme sabe disso, tanto que deixa sua morte por último, é Stephen, feito por Samuel L. Jackson. Stephen é o verdadeiro comandante de Candieland. É ele quem manda, inclusive em Candie. É ele quem manda punir outros escravos. E, pra que sua posição de poder não seja tão aparente, ele finge ser um imbecil.
A cena do jantar, em que ele repete, risonho, tudo que seu amo fala, me lembrou do membro mais abobado da gangue de Laranja Mecânica corroborando o que Alex diz. Stephen é uma presença tão incômoda que ele mal aparece nos trailers, e ninguém reclama de Jackson ter sido esquecido pelo Oscar (todo mundo reclama -– com razão -– da ausência de DiCaprio entre os indicados a coadjuvante).
A marca registrada do Taranta não está na violência, mas nos diálogos. E os de Django simplesmente ficam bem aquém do que ele costuma fazer. Mas não tenho certeza se o maior problema encontra-se no roteiro ou na edição. Um filme desse tamanhão pruma trama tão fraca indica que alguém não quis, ou não soube, cortar. Não por coincidência, este é o único filme do Taranta sem a montadora Sally Menke, que morreu misteriosamente em 2010, com apenas 56 anos. O diretor sempre disse que ela foi sua parceira mais importante, e olha, ela faz falta em Django. 
Gostei da cena com a Ku Klux Klan, de longe a mais engraçada. Mas lembrou demais Monty Python. Parecia tirada de Em Busca do Cálice Sagrado. E, pra quem, como Taranta, diz que fez tanta pesquisa histórica pra escrever o filme, bom, a KKK ainda nem existia naquela época. Mas é bonitinho ver um bando de mané encapuzado reclamando que os buracos pros olhos não estão bem feitos. Pena que não tem nada a ver com Django.




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