Na primeira das 258 vezes que vi o trailer de “Lara Croft Tomb Raider: A Origem da Vida”, olhei pro maridão horrorizada e perguntei: “Foi impressão minha ou eles acabaram de destruir um dos guerreiros chineses de terracota?!”. O maridão respondeu: “Não se preocupa que tem mais”. Já na 145a exibição do trailer, minha mãe teve preocupações mais singelas. Escandalizada com a bocona da Angelina Jolie, ela comentou, muito séria: “Essa moça tem um defeito nos lábios”. Eu tive de dizer: ”Chama-se plástica, mãe”.
Apesar do título gigantesco – oito palavras, pelas minhas últimas contas –, “Bomb Raider 2” segue o mesmo tema de Lara do primeiro. É tudo pretexto pra mostrar a super-heroína inglesa do videogame com armas potentes e roupa colante que realce seu sutiã tamanho 50. Mas devo admitir que tenho quase certeza que esta seqüência é menos pior que o filme de 2001. Ainda assim, me deu um soninho... Fiquei lembrando de um dos terroristas de “Cecil Bem Demente”, que aponta uma pistola pra um produtor de cinema e pergunta: “Quantos projetos baseados em videogame você liberou esta semana?”. Aí ele dispara, o que soa bastante justo.
Imagino que o público-alvo deste tipo de aventura seja o pré-adolescente que desliga o videogame por algumas horas e corre pro cinema, sem ligar pra história. Mas é bom advertir que o subtítulo “A Origem da Vida” não se refere às abelhinhas e às flores, e a como papai plantou uma sementinha na mamãe, e sim a um lugar que guarda a caixa de Pandora. O espectador-mirim deve estar pensando: “Pandeiro? Que mané pandeiro?!”, mas “Bomb Raider 2” explica tudinho. É aquela caixa, sabe, que Pandora não deveria abrir de jeito nenhum mas acaba abrindo, liberando desgraças. A gente já viu algo parecidíssimo em “Caçadores da Arca Perdida”, mas o garotinho do tal público-alvo não sabe que o cinema já existia em 1981, então não considera a Lara plágio de Indiana Jones. O vilão de “Bomb” quer a tal caixa pra varrer o planeta, e Lara quer impedi-lo. Quem você acha que ganha?
Logo no começo de “Tomb Ryder – Dê férias para o seu cérebro”, Lara ajuda a demolir um templo submerso de Alexandre, o Grande. No caminho, um tubarão tenta comê-la (não no sentido das flores e abelhinhas), mas na hora h ela dá um soco na fuça do bicho. Sem trocadilhos, essa foi difícil de engolir. Os surfistas de Recife precisam aprender essa técnica de auto-defesa. Em seguida, descobrimos que a Muralha da China foi construída apenas para que Lara corra por ela com sua motocicleta, como se fosse sua estradinha particular. Mais tarde, ela duela com um sub-vilão no meio dos guerreiros de Xi’an. Se no trailer ela só destrói um, aqui ela se encarrega de explodir o exército inteiro. E pensar que, quando os soldados de terracota foram exibidos em SP, havia um vidro em volta pra protegê-los. Digamos que o filme não teve o mesmo cuidado.
Lara dá sua voltinha ao mundo imitando o Tio Patinhas, aquele pra quem tesouro achado não é roubado. Ela visita Shangai, Hong-Kong e Kilimanjaro, trazendo destruição em massa a cada parada. Diversos grupos étnicos são exterminados, inclusive. Isso me lembrou a fala de um dos soldados de “Nascido para Matar”. Perguntam pro cara por que ele se alistou no exército, e ele responde: “Ah, eu sempre quis viajar, conhecer culturas diferentes – e destruí-las”. Me parece uma síntese abrangente do cinema americano.
Ah sim, o tubarão não é o único que não come ninguém em “Bomb” – a Lara também não. Ela tem um projeto de namorado que ressalta como eles se dão bem antes de declarar: “Você pode quebrar meu pulso, mas ainda vou te beijar”. Uma eterna lua-de-mel. E mais inverossímil que o soco no tubarão, só a cena em que Lara invade uma residência, interrompe o desenho animado de uma família inteira, e pede pra usar a TV. E a família fica toda sorridente, enquanto a filha mais nova fita a Lara com admiração, provavelmente pensando: “Quando eu crescer, quero ter peitões que nem ela”. Meninos, larguem o joystick. Vão ler um livro.