Mas vamos à história, se é que posso chamá-la assim. A aventura se passa na Europa em 1899, ou seja, um pouquinho depois do nascimento do maridão. Um vilão quer promover uma guerra mundial. Pra combatê-lo, o Império Britânico (Deus Salve a Rainha etc etc, ó tédio) convoca um grupo de heróis. A única premissa minimamente interessante é que esses heróis são crias da literatura. Logo, tem o Sean Connery fazendo o Allan Quatermain (personagem de “As Minas do Rei Salomão”); uma vampira tirada de “Drácula”; o Homem Invisível de H. G. Wells; o Capitão Nemo de Julio Verne; o médico e o monstro de Robert Louis Stevenson; e – pasme! – o Dorian Gray de Oscar Wilde, entre outras figuras que o pré-adolescente atual nunca viu mais gordas. Vamos ser sinceros: quem é mais famoso hoje, o peixinho de “Procurando Nemo” ou o comandante do Nautilus? Qualquer alma que já tenha ouvido falar de Dorian Gray sabe desde a primeira cena que o sujeito não tem nada de heróico. Um otimista pode até argumentar que é melhor um “Oscar Wilde for dummies” (e põe dummies nisso!) do que nenhum Oscar Wilde, mas será mesmo? É possível que esta joça atraia gente pra leitura dos clássicos literários? Tomara que sim, tomara que da próxima vez que o teen ouça o nome Tom Sawyer, ele não faça uma careta de nojo ao lembrar-se de “Liga”.
“Não Dá Liga” é uma adaptação de uma história em quadrinhos, digo, mais respeito, uma graphic novel de Alan Moore e Kevin O’Neill. Um amigo me emprestou as revistinhas e eu notei, feliz, que elas foram publicadas no Brasil pelo meu amigo da Pandora Books. Mas os quadrinhos também não são grande coisa, lamento. Certo, os personagens são mais estruturados, com mais nuances entre o bem e o mal, e podemos ver um Homem Invisível estuprador de meninas e um Quatermain viciado em ópio, mas ainda é pouco pra que seja um graphic novel de respeito. Que os quadrinhos sejam muito melhores que o filme não quer dizer nada, neste caso. Na aventura cinematográfica o Nemo parece o Osama Bin Laden de barba tingida, e o personagem é tão sem atrativos que me lembrou aquele garoto que só é aceito no time de futebol porque é dono do Nautilus, quero dizer, da bola. O Homem Invisível está incrivelmente mal-feito – dá pra ver que é um mau ator com a cara pintada de branco. Mas nada supera em ruindade o Monstro, vulgo Mr. Hyde, que faz com que aquele defeito especial chamado Hulk mereça o Oscar (não o Wilde, o outro). E o que dizer do Sean? Ele se mantém charmoso aos 73 anos, é verdade. Mas o maridão não entendeu a aparição de um tigre no meio do filme. Eu expliquei: “É pra mostrar que o velho tigre sabe quando chegou sua hora”. E ele: “Não sabe não! Ele continua fazendo essas melecas! Ele até produziu esta!”.
Juro que pensei que, entre os rachas de automóvel (você pensou que os carros eram movidos a cavalo em 1899, né? Errou feio! Já tinha até batmóvel na época) e as explosões em Veneza (por que esperar que a cidade afunde? Vamos destruí-la já!), os críticos iam se render ao verniz literário do filme. A Pauline Kael não disse uma vez que críticos de cinema costumam adorar adaptações literárias porque é a chance de provar que já leram um livro na vida? Mas, justiça seja feita aos críticos americanos, o Metacritic deu nota 28 (em 100) à “Liga”. E sabe aquela discrepância que acontece entre o gosto crítico e o do público? Bom, os leitores do Metacritic foram mais bonzinhos com o filme. Deram 29. Isso coloca “Liga” num patamar muito, muito baixo. Talvez o maridão tenha razão. Talvez “Desliga” seja mesmo o pior filme dos últimos, o quê, dois meses?