É interessante ver Spielberg e Tom enfim juntos, mas se "Mainority" (pronúncia correta) funciona, é por causa de outro nome: Philip K. Dick. É dele o conto em que o longa é baseado, assim como são de sua autoria as idéias por trás de "Blade Runner" e "O Vingador do Futuro". Uma coisa em comum nos heróis desse escritor morto em 1982 é que eles sempre desconhecem algo relevante da sua própria personalidade. Outra coisa é que, mais que heróis, eles são homens comuns. Aí chega Hollywood e quem ela escala pros papéis de homens comuns? Ué, Harrison Ford, Schwarzza, e agora Tom Cruise. Porém, se as três produções citadas estão bem acima da média, isso se deve à criatividade de Dick. E a sua obsessão por temas fascinantes como, ahn, olhos.
"Mainority" já começa a todo vapor, com o detetive Tom prevenindo um crime microssegundos antes que ele ocorra. Nessa seqüência eletrizante, ouve-se repetidamente "não posso ver sem eles". A gente ainda não sabe se estão falando de olhos ou óculos, mas o mote é claro. A visão será lembrada durante o filme inteiro. Bom, acho que é tradicional nesse ponto contar um tiquinho da história, pra quem não viu o trailer não ficar perdido. Estamos em 2054, em Washington. Não acontece um só assassinato na cidade há seis anos, desde que três "precogs" (mistura de profetas e cobaias de laboratório) foram colocados numa espécie de piscina para prever crimes. Daí, os policiais vão até o local e prendem o acusado antes que ele possa matar sua vítima. O Tom trabalha lá e acredita no sistema – até que os precogs anunciam que ele precisa ser detido antes de matar um cara que ele nunca viu antes. Ele passa o resto do filme fugindo, só que fugir não é nada fácil numa época em que a identificação se dá através da íris. Por exemplo, não parece assustador entrar numa galeria e ouvir os telões, painéis, outdoors e outras parafernálias publicitárias falando o seu nome e oferecendo produtos? "Lola, não deixe de comprar o novo celular que cabe no seu dedo". É um horror esse futuro. A única boa notícia é saber que viveremos num mundo sem óculos escuros. Ah, e tem os carros também, que andam sozinhos. Mulheres, ainda este século não teremos mais problemas pra estacionar!
Há outras cenas de tirar o fôlego, como a da cirurgia do Tom, a das aranhinhas invadindo o prédio, a da fuga no shopping... Tudo vai super bem até a derradeira meia hora. Diria que não gostei do final, mas alguém poderia me perguntar: "qual deles?". Pois é, precisa ter tantos fins? Será a síndrome de "Inteligência Artificial"? Meu Deus, o que aconteceu com o Spielberg que sabia terminar um filme?! "Mainority" é bárbaro enquanto os temas discutidos são "vale a pena sacrificar as liberdades individuais pela eficiência do estado?", ou "como uma pessoa pode ser considerada assassina antes de assassinar?", ou mesmo um negócio que ninguém menciona, que é a reabilitação dos condenados. No entanto, quando a idéia central passa a ser "precog também é gente", a história se perde. E piora quando um personagem que nem sequer existia surge do nada pra salvar o herói, né?