Esta baboseira escapista trata de quatro amigos de meia idade cansados de suas vidinhas que pegam suas motos e vão andar por aí sem destino e, óbvio, se metem em enrascadas com motoqueiros barra pesada. Menos piadinhas escatológicas viriam a calhar. Deve ser por isso que eles se chamam porcos selvagens no título original. É meio estranho que uma história com quarentões seja usada pra atrair espectadores de dez anos. Ou homens de meia idade gostam do mesmo humor infantil? De minha parte gostei do pessoal empurrando motos no meio do deserto e do urubu indo na cola. E também do Travolta vendo o bar explodir pelo espelhinho retrovisor e de todas as caretas que ele faz depois disso. Aliás, desde “Pulp Fiction”, parece que todo projeto com o Travolta envolve seu personagem dançando ou ensinando alguém a dançar. Já passou da hora de outro “Pulp” pra ressuscitar a carreira dele.
No começo de “Motoqueiros” há um grande pânico homofóbico (inclusive com uma referência a “Amargo Pesadelo”)ii. Todo santo filme com amiguinhos de infância que deixam suas mulheres de lado pra curtir uma aventura tipicamente masculina tem medo da homossexualidade. Precisam provar que a amizade que eles têm é coisa de homem. Mas pouco a pouco a homofobia se dissolve e “Motoqueiros” parte pra algumas cenas menos previsíveis. Por exemplo, a gente observa montes de insetos estourando na cara deles, já que esses fãs de roupa de couro não são muito afeitos a capacetes. O Travolta vê seus amigos de cara suja e ri com a boca aberta. A gente tem certeza que ele vai engolir algum inseto nojento, mas não. É um pássaro que se choca com ele.iii E sou só eu que penso que seria mais fácil pra todo mundo se as motos tivessem rodinhas laterais, sabe, que nem bicicleta pra criança? Pelo menos o William H. Macy não cairia tanto.
O filme fica embaraçosamente ruim, até trava, na cena em que o grande William diz pra Marisa Tomei que é um “geek” (traduziram pra infomaníaco; tá mais pra nerd), e a atriz tida como o momento mais esquizo da história do Oscar (quando ela ganhou uma estatueta por “Meu Primo Vinny”) responde que não, que ele é uma pessoa sensível, única e especial. Nesse instante o roteiro não tava falando com o William, mas com todos os sujeitos de meia idade que lotam feiras de pornografia nos EUA e aparecem fantasiados em convenções de Jedis. Meu ódio cresceu, mas foi apaziguado pela aparição-surpresa do Peter Fonda logo em seguida. “Motoqueiros” é tão trash que quase chega a ser bonitinho. Se eu me lembrasse do filme no futuro, até poderia me envergonhar por ter rido em várias cenas. Mas esta comédia vai ficar na memória tanto quanto “City Slickers” (“Amigos, Sempre Amigos”), sua clara inspiração. Só se a carreira do Travolta continuar sem destino é que vamos ouvir alguém dizer “Puxa, que saudades de ‘Motoqueiros’!”. Será ele mesmo.
i Dos quatro o que mais se destaca é interpretado por William H. Macy. Por pouco William não abocanhou um Oscar de coadjuvante em 1997 por sua performance no fantástico “Fargo”, dos irmãos Coen. O marido da Felicity Huffman, de “Desperate Housewives”, é especializado em papéis esquisitões, como o de “Boogie Nights – Prazer sem Limites” (1997). “Boogie” é ótimo até o seu terço final. Depois fica sério e trágico demais e perde seu ritmo. Mas ainda assim o épico de Paul Thomas Anderson sobre a indústria pornô americana é muito bom. E eu poderia seguir fazendo mil e uma conexões para evitar falar de “Motoqueiros”.
ii Deixe-me interromper para um serviço de utilidade pública, pra que se você comparecer a “Motoqueiros”, possa rir com a piadinha amarga. “Amargo” é um drama da década de 70 lembrado pelo célebre duelo de banjos e muito mais conhecido por conter uma cena de estupro masculino. É o mesmo roteiro, versão terrível: um grupo de homens sai pra viajar e se dá mal.
iii Por falar em insetos nojentos, já falei que esta semana comi um chocolate inteiro, e só depois vi que havia uma minhoquinha rosa, viva, no papel? Acho que essa foi a única sobrevivente de uma grande família de minhoquinhas.