Neste ponto, o diretor e roteirista Anthony Minghella foi bem ousado. Não que haja cenas que ofendam nossos machões de plantão, mas ser gay é uma característica nada desprezível do protagonista. Se você leu o romance de Patricia Highsmith, no qual este "Ripley" se baseia, ou se viu o ótimo "O Sol Por Testemunha" (de 1960, com Alain Delon), esqueça. "Ripley" não tem muito a ver com o livro e é totalmente diferente de "Sol". Não se pode nem dizer que é uma refilmagem. "Sol" era um policial com doses de suspense, "Ripley" é um drama. Delon era um vilão; Ripley é um infeliz.
Ripley é um pobretão americano na década de 50, contratado por um milionário para trazer seu filho playboy de volta aos EUA. O filho, interpretado por Jude Law, nome forte para o Oscar de melhor coadjuvante, leva a boa vida na Itália, junto a uma namorada oficial (Gwyneth Paltrow). O talento de Ripley está em imitar pessoas, forjar assinaturas e se adaptar ao gosto de seus ouvintes. Ele quer ser amado e aceito a qualquer preço.
Ripley se apaixona pelo playboy e, ao ser desprezado por ele, o mata. A seguir, adota sua personalidade, seu cartão de crédito, seu nome, sua assinatura, seu passaporte... Em "O Sol por Testemunha", o crime é premeditado, e o algoz é frio e calculista. Em "Ripley", este primeiro assassinato ocorre sem querer, e o protagonista sofre com seus fantasmas. Ao sentir culpa, o Ripley de Minghella é muito mais humano.
Porém, como não há suspense neste "Ripley" (nem humor, o que é um defeito grave), a questão se concentra no lado "coitado que quer subir na vida". Só que, nesse ponto, clássicos como "Almas em Leilão" e "Um Lugar ao Sol" são mais eficazes. Nessas duas obras, o espectador se identifica com o vilão e sente pena dele. Não é o que ocorre em "Ripley". E não é porque os dois primeiros personagens são hetero e Ripley é homo. É que Ripley é um pouco apalermado demais para torcermos por ele. Ele não é nem revoltado por ser excluído do topo da pirâmide. Ele mais admira que inveja suas vítimas.
Matt Damon (de "Gênio Indomável" e "Resgate do Soldado Ryan", ah, e "Dogma") tem a melhor interpretação de sua carreira como Ripley. Provavelmente merecia uma outra indicação ao Oscar (a primeira foi por "Gênio") mas, em um ano em que Jim Carrey foi deixado de fora após ganhar o Globo de Ouro pela segunda vez consecutiva, imagino que Damon não possa reclamar.
Digna de destaque mesmo é Gwyneth Paltrow. Enquanto a câmera se enamora de Jude Law, ela despreza Gwyneth. A melhor atriz do Oscar passado consegue provar que, num papel inexpressivo, ela é 100% inexpressiva.
Quanto ao inglês Minghella, "O Talentoso Ripley" é, sem dúvida, o ponto alto de sua vida como diretor, pelo menos até agora. No início da década, ele fez as comédias românticas (meio insossas) "Um Romance do Outro Mundo" e "Um Amor de Verdade". Depois, estourou com "O Paciente Inglês", que levou nada menos que nove estatuetas douradas. Sim, eu disse nove Oscars. Não sei se conheço nove pessoas que tenham gostado tanto assim de "O Paciente Inglês".
Já no caso de "O Talentoso Ripley", esperava-se que o drama concorresse a categorias principais, como melhor filme, diretor e ator. As cinco indicações mais técnicas foram decepcionantes. Mas vá sem medo e sem preconceito assistir ao filme. Afinal, duvido que alguém considere um homem homossexual só por gostar de "Ripley".