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CRÍTICA: QUANTUM OF SOLACE / Da fartura dos calzones à defesa do Evo, um novo 007
Aproveite, porque é a única cena do Daniel Craig sem camisa em todo o filme. Logo eu, que fui a única pessoa na face da Terra a desprezar o último 007, Cassino Royale, gostei de Quantum of Solace. É, eu também me surpreendi. O maridão, por exemplo, não apenas não gostou como acha que é uma estratégia pra que o James Bond suma do mapa e deixe o campo livre pro Jason Bourne (mesmas iniciais e tudo). Nada a ver. Primeiro vou começar pelo que detestei: o título indecifrável, óbvio. A abertura do filme, que é de fazer corar o Hans Donner. Acho que eles viram muito Tieta e decidiram copiar. Ficou horrível. E tem uma música hedionda que entra pra galeria como a pior canção a agraciar um 007. O resto eu achei legal .Tem um ritmo bom, e nem os pré-requisitos de fórmula de filme de ação deixam a peteca cair. Tá, é ridículo que o Bond se envolva numa perseguição de carro, de barco e de avião em poucas horas. Mas a gente não vai ver 007 esperando realismo.Não, o que mais gostei de Pum de Alface é que é descomplicado, sem aquelas subtramas mirabolantes. É uma história política, e, por incrível que pareça, uma grande defesa do Evo Morales. Não mencionam nunca seu nome, mas falam de várias coisas que acontecem na Bolívia, como a água privatizada, nas mãos de empresas internacionais, que cobram o que quiserem da população e desviam reservas (em Cochabamba, houve o caso famoso de uma multinacional que proibiu até que a população - indígena, paupérrima - armazenasse água de chuva). E água é um líquido muito mais valioso que petróleo. A gente vive sem petróleo, mas não vive sem água.Quantum é o nome de uma organização super secreta contratada para desestabilizar governos e implantar ditaduras. Leva quem pagar pelo direito de sugar a população. Eles mencionam o caso do Haiti, em que o presidente, um padre (numa referência óbvia a Jean-Paul Aristide, deposto em 2004 por uma “rebelião”), aumentou o salário mínimo de 0,38 para um dólar por dia, e as empresas que usavam e abusavam da mão de obra quase de graça encomendaram um novo governo, mais simpático aos seus interesses, porque pô, assim não dá. Afinal, o presidente de um país pobre vai governar pra quem? Pra população miserável que não sabe reconhecer como o capitalismo é benéfico pra todos, ou pras multinacionais que, tão boazinhas e altruístas, investem lá?O líder da Quantum é feito pelo Mathieu Amalric, de (pasmem!) O Escafandro e a Borboleta. Tudo bem, o vilão é francês, mas não há nenhuma menção a sua nacionalidade. Além do mais, fica claro que ele é apenas uma das partes da organização internacional. Pra vender seu pacote de golpes a um cliente em potencial, ele explica: “Esses países sul-americanos estão caindo como pedras de dominó na ideologia marxista. Já tem Venezuela, Brasil, Bolívia... Se não fizermos alguma coisa agora, não vai sobrar nada pra vocês”. Brasil! Olha nóis aí na fita! Pra quem acha que o governo Lula não é de esquerda, bom, tem gente que acha. Daí a CIA aparece apoiando qualquer ditador, desde que seja de direita. E caça o James! A Inglaterra também não sai bem na fita, pois negocia com os mercenários. O filme repete várias vezes que os países pobres são explorados pelos países ricos, que não dão a mínima pras populações que ajudam a explorar. É ou não é uma defesa do Evo?Gostei também que Atum de Borracha não é violento ou sádico. Quero dizer, o Bond é, mas a gente não vê. Não há nenhuma morte em câmera lenta. Só que, depois de perceber que não há cenas de nudez, desconfiei que fizeram um filme “leve” assim só pra ganhar a classificado pra menores de idade e, dessa forma, um público maior. Dito e feito. Se bem que há um close muito estranho numa cena. Aliás, estranho é pouco. Um general e projeto de ditador aparentemente está se preparando pra estuprar uma funcionária. Ele se desvia, e a câmera focaliza o meio das pernas dela, numa cena muito desconfortável, porque é quase um segundo estupro. Em seguida, o filme mostra que não liga pra sorte da mulher, pois acontece uma grande explosão, incêndio, o escambau, e a gente não sabe nem se a moça conseguiu escapar. É sacanagem fazer uma personagem descartável dessas, ainda mais num gênero em que as mulheres raramente têm voz - valem como objetos sexuais ou vítimas.Pois é, entramos no terreno pelo qual o Bond, James Bond, deve toda a sua popularidade: sexo. James diminuiu um monte o número de parceiras sexuais por filme na década de 90, com o advento da Aids. Neste daqui ele é monogâmico. Só transa uma vez, e ainda leva a maior bronca por causa disso. Daqui a pouco vira monge celibatário. Até o maridão tem mais atividade sexual que o Bond, e ele não é nenhum agente irresistível. Mas queria deixar claro que eu não trocaria o maridão pelo Daniel Craig. Não compartilho do entusiasmo das espectadoras da minha sessão, que faziam “Ahhhh!” sempre que o Daniel ameaçava ficar mais à vontade - inclusive, tem a maior propaganda enganosa no trailer! Ele não toma banho de mar em nenhum momento no filme. Seu peitoral aparece apenas brevemente. Eu acho o Daniel charmoso, e ele está muito bem como 007 (não consigo parar de pensar que o Clive Owen seria melhor, ao menos no quesito beleza). Mas bonito, com aquela cara de estivador? Me poupem.Na saída do cinema, eu falava bem de Quanto de Solácio, quando o maridão, com aquele tom marital tão peculiar dos homens, me interrompe:- O problema é que você não gosta de 007.- Mas eu tô dizendo que gostei, ué.- Mas você não gosta dos 007s antigos.- Aqueles em que o Sean Connery batia em mulher? É, esses eu não gosto mesmo.- Ih, lá vem você de novo...Mas gente, é verdade. Ô filminhos ultra-machistas aqueles com quem muita gente considera “o melhor Bond”. Só eu que noto? A misoginia tá tão presente na nossa rotina que ninguém percebe que o Bond do Sean batia nas moças? E que havia uma personagem chamada Pussy Galore? Deixem-me traduzir: pussy é genitália feminina; galore é abundância. Ou seja, montes de vaginas. Eles realmente criaram uma personagem que se chamava Fartura de Calzones!Prefiro quando eles defendem os bolivianos.
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