Este é o quinto ótimo filme consecutivo do Almodóvar, depois de “Carne Trêmula”, “Tudo Sobre Minha Mãe”, “Fale com Ela” e “Má Educação”. Pra mim “Volver” não é tão maravilhoso como suas duas obras-primas, “Tudo” e “Fale”, mas tá tão acima da média que é covardia compará-lo a Hollywood. O mais incrível é como esses cinco filmes são diferentes entre si. Tá certo que a gente vê uma só cena e se convence que esta é uma película do espanhol, mas o cara não se repete. E mesmo que seus roteiros não fossem extremamente bem elaborados, ver qualquer obra do diretor já é um prazer só pelo que ele faz com as cores. Aliás, pra quem acha que cinema narrativo tá com os dias contados, o Almodóvar vem provar que não é bem assim. Tem algum diretor mais narrativo que ele? Claro que ele não se incomoda em cortar a trama pra mostrar a Penélope Cruz cantando uma balada, porque a canção vai estar totalmente relacionada à história.
A história? Convém não saber nada. É só uma trama sobre mulheres onde os homens são apenas algozes ou inúteis. Esse espírito condiz com minha revolta dos últimos dias, que já ultrapassou o feminismo radical. Simplesmente cheguei à conclusão que algo de urgente precisa mudar na educação dos homens, que os prepara para resolver problemas sempre com agressão e violência. Sei que a culpa também é nossa, das mulheres, que os (des)educamos. Mas não é possível. Ô espécie pra fazer mal à sociedade! Tem algum componente na nossa educação feminina, totalmente repressora, que nos condiciona a conviver melhor em grupo. Não somos serial killers, pedófilas, estupradoras, e não batemos nos nossos maridos. Talvez esteja na hora de reprimir os homens também. Castrá-los um tiquinho, figurativamente falando, porque nem tudo é falo nessa vida. Tá, tá, sei que hoje estou no meu módulo terrorista (e o maridão não fez nada). Ok, voltando à história que não vou contar de “Volver”, digamos que só o Almodóvar pra nos fazer acreditar em tantas mudanças de gênero. No começo o filme parece ser um noir, mas quando ameaça enveredar por esse caminho, pára e pega uma outra rota. Então terá a ver com o realismo mágico, história de fantasmas? Não, também não é por aí. E assim por diante, nos surpreendendo a cada curva. Eu só iria mais fundo ainda no melodrama, pra me fazer chorar, porque mesmo sendo a maior manteguinha derretida do planeta y sus arrededores, como dizia meu amado pai, eu não chorei.
Realmente, só num filme do Almodóvar uma mulher aparece com uma mancha de sangue no pescoço, a gente fica petrificada que ela será descoberta, e quando seu vizinho aponta pro pescoço, ela descarta sem cerimônia: “Problemas de mulher”.
Pode ser que o público masculino goste da posição da câmera na cena em que a Penélope lava a louça. A câmera fica em cima, e vê-se um amplo decote. Eu tava mais preocupada com a Penélope não fechar a torneira enquanto ensaboa os pratos. Mas ando muito sensível em relação ao meio ambiente, mais ainda depois de ver o excelente “Uma Verdade Inconveniente” (também em Curitiba, lógico, que Joinville não tem necessidades pra mensagens ecológicas). “Verdade” é a versão documentário pro “Dia Depois de Amanhã”!
Volvendo, alguém me explica, por favor, porque só o Almodóvar consegue fazer da Penélope uma grande atriz? Mais misterioso: como que só nos filmes dele ela fica bonita? Todo mundo tá dizendo que ela lembra a Sophia Loren, e é verdade. É também um deleite ver a Carmen Maura de volta com o diretor que a fez brilhar em “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos”.
Mas elogiar o Almodóvar é chover no molhado. O sujeito tem um prestígio tão, mas tão grande, que basta contar o que presenciei num congresso acadêmico GLS e de gêneros. Uma mulher apresentou um artigo bem interessante dizendo que, em “Tudo Sobre Minha Mãe”, o Almodóvar apenas martela o velho mito machista de que toda mulher nasceu pra ser mãe, que isso é instintivo, e que só assim uma mulher pode se realizar. O pessoal caiu em cima. Pensei que a palestrante seria linchada. Ah sim, e é ridículo supor que o prestígio almodovariano se restringe aos círculos gays. Faz tempo que ele é considerado um dos grandes do cinema mundial, e ninguém dá a mínima se ele é gay ou hetero. Quero dizer, o gerente do cinema lá em Curitiba se preocupa com essas coisas. Ele apontou que “Volver” é menos gay que as películas anteriores do espanhol, porque desta vez só há uma personagem lésbica, uma amiga da Penélope com câncer. Cuma? Como que ele sabe que ela é lésbica? Só porque tem cabelo curto? Devo ter perdido alguma coisa.