Crônica da crise - MIRIAM LEITÃO
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Crônica da crise - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 25/04

O pior de uma crise é não admitir que ela existe. É o erro que o governo está cometendo na energia. O empréstimo que será assinado hoje é esdrúxulo, mas, se não saísse, as distribuidoras não teriam dinheiro para, no dia 29, terça-feira, aportar os recursos exigidos para a liquidação das compras que fizeram. Aí as geradoras não teriam o dinheiro para pagar pelo combustível das térmicas.

como assinar o empréstimo se o conselho de administração não pode se reunir por falta de quórum? Ontem, integrantes do setor tentaram encontrar substitutos para os três conselheiros demissionários e está sendo muito difícil. A CCEE então procurou um parecer de advogados para chegar a uma saída. A solução foi considerar que, se a assembleia aprovou o empréstimo, o conselho diretor não precisa se reunir para referendar. Enfim, encontra-se qualquer jeitinho para qualquer coisa.

O Ministério das Minas e Energia soltou uma nota dizendo que os conselheiros da CCEE saíram ?por motivos pessoais?. Deve haver um surto de problemas pessoais, causado por alguma virose que abateu três quintos do conselho, coincidentemente no meio do maior estresse vivido pela entidade.

O governo está tratando a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica como se fosse um órgão estatal. Já virou até piada no setor. Ontem, a brincadeira era dizer que o conselho é mais um membro da alcateia, numa referência ao nome do ministro da Energia. A CCEE é uma câmara de registro e compensação das diferenças entre os compradores e vendedores do mercado de energia. Está às voltas com a crise, por ter sido empurrada para exercer uma função governamental: socorrer empresas que ficaram descapitalizadas em decorrência de uma desastrada política de governo.

? O mercado livre está acuado, ameaçado, exercendo atos que são uma negação lógica da sua própria natureza; estamos todos parecendo terceirizados do governo ? disse uma fonte do setor.

O setor diz que está numa armadilha porque nem mesmo a redução do consumo resolveria os problemas das empresas. De um lado, os geradores hidráulicos seriam obrigados a reduzir a geração para poupar água e, nesse caso, perderiam receita; as térmicas teriam que continuar gerando o máximo para poupar as usinas hidrelétricas e as distribuidoras faturariam menos num momento de extrema fragilidade financeira.

As chuvas aumentaram, apesar de ser o fim da estação chuvosa, e há a expectativa de que chova mais no Sul, o que pode ajudar todo o sistema. O problema é que isso reduz a necessidade de um racionamento mas não resolve o grande problema do setor, que é o grande passivo financeiro que já se formou.

O Brasil teve uma crise energética de grandes proporções em 2001, como se sabe. Foi explorado politicamente pelo PT como prova da má gestão. A diferença entre aquela crise e a atual é que o governo em 2001 reconheceu a existência da crise e criou um grupo de craques para gerenciá-la. Todos se lembram do ministro Pedro Parente, que comandou a construção da solução, mas, na verdade, houve muitos outros especialistas sob o comando do ministro no grupo de crise.

Não houve corte de energia, no sentido de reduzir por um tempo o fornecimento, seja para empresas ou para consumidores residenciais. O racionamento foi feito através da indução de mecanismos tarifários de benefício e punição. Houve uma mobilização voluntária impressionante. E as térmicas passaram a fazer parte do sistema de garantia para momentos de escassez hidrológica.

O que torna a situação de agora mais perigosa é o governo não admitir que o problema existe, não criar o grupo de gerência da crise, e preferir adotar medidas para escamotear e esconder as dificuldades e postergar a solução para depois das eleições. Apostou tudo que será possível atravessar os próximos meses com pouca água nos reservatórios porque a próxima estação chuvosa será o suficiente para recuperar o nível de água.

Mesmo se o próximo período chuvoso for bom ainda haverá a bomba fiscal e financeira para desarmar. Pelas complicadas regras do setor, esse desajuste está criando rombos nas contas tanto das distribuidoras quanto das geradoras. E, a partir de hoje, a CCEE fugirá totalmente de sua função e passará a carregar uma dívida de R$11,2 bilhões.






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