Culpado como um bandido
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Culpado como um bandido


Rodrigo Constantino

O "filósofo" Olavo de Carvalho dedicou seu espaço inteiro no Diário do Comércio à minha pessoa. Como não o dou a mesma importância, não pretendo respondê-lo em meu precioso espaço de O Globo (que reservo para coisas mais sérias), mas sim aqui mesmo, no meu blog. Farei isso de forma breve, pois o tempo é escasso e existem outras prioridades. Mas é preciso fazê-lo, pois como este senhor ainda engana muitos inocentes úteis e fala em nome da direita, faz-se necessário desmascarar o embuste de vez em quando.

Olavo diz:

Num de meus últimos programas de rádio, critiquei en passant o sr. Rodrigo Constantino por conceder ao Estado, cujo poder ele abomina e diz querer limitar por todos os meios, o mais alto e presunçoso dos poderes – que é o de conceder ou negar a condição de ser humano a uma criatura proveniente de pai e mãe humanos.

A mentira já começa no "en passant", onde o autor tenta passar a imagem de que quase não se ocupou com ataques chulos e mentirosos a mim. Na verdade, Olavo de Carvalho me citou algumas vezes, e em vários "programas de rádio" (eu chamo aquilo de outra coisa, mas deixa para lá) nos últimos meses. Como foi ignorado solenemente, insistiu na esperança de receber alguma atenção recíproca. Foi o que fiz no vídeo citado. Ele deveria ser grato ao menos a isso.

Sim, é verdade que eu abomino o excesso de poder concentrado no estado (que escrevo com letra minúscula, ao contrário de Olavo de Carvalho). Mas não sou um anarquista. Reconheço que a vida em sociedade demanda a existência do estado, especialmente para cuidar da justiça. Tampouco sou jusnaturalista, ainda que tenha alguma simpatia pelo conceito. Logo, entendo que é função precípua do estado definir as leis, ainda que muitas possam ser consideradas injustas. O problema é que não acredito na viabilidade das alternativas (mercado de leis privadas, direito natural etc).

Isso não é o mesmo que afirmar, como quer Olavo de Carvalho, que eu penso que cabe ao estado dizer o que é certo ou errado. Não! Eu acho errado a escravidão, mas estados já a consideraram legal no passado. Eu também acho errado alguém ser obrigado a pagar 40% do que ganha em impostos, mas nem por isso sou anarquista (seria a lógica dedutiva, como diz Olavo de Carvalho, da premissa de que não aceito o estado impor qualquer valor arbitrário de imposto). 

Aliás, esta é a mesma tática que usam os anarquistas: oito ou oitenta, tudo ou nada. Se você acha errado imposto de 40%, então você deve achar errado qualquer imposto, para não cair em contradição lógica. Será que Olavo de Carvalho é um anarquista? Ou ele aceita o estado dizer quanto ele deve pagar de imposto? Mas nesse caso o estado poderia lhe impor 100% de imposto! Logo, ele defende ou o socialismo ou a anarquia. Qual será o caso?

Como fica claro acima, o que Olavo de Carvalho fez foi apenas apelar para uma retórica vazia, um reductio ad absurdum (ele comenta um livro de Schopenhauer sobre estratagemas de erística, e aprendeu a usá-los muito bem). Quem vai dizer quando o feto é um ser humano? Ora, como eu deixei claro no vídeo sobre o assunto, essa é a questão cabeluda! Cientistas discutem isso sem resposta adequada. E eu não tenho a pretensão de ter tal resposta sem margem a erros (ao contrário do que afirma Olavo, eu não me arrogo o monopólio da razão). 

O que eu sei é que não considero correto a imposição de uma visão religiosa sobre o tema. A resposta pode ser a sociedade de forma geral, o indivíduo de forma subjetiva. Isso não quer dizer que o estado tem a palavra definitiva sobre o assunto. Quer dizer apenas que nem todos são obrigados a aceitar a visão religiosa, e que nem todos que aceitam uma zona cinzenta nesta questão depositam fé messiânica no estado.

E, de fato, é a resposta que a maioria dos países civilizados e desenvolvidos deu ao dilema. Tanto é verdade que em praticamente todos eles o aborto é permitido no começo da gestação, e em casos especiais. Logo, à exceção das teocracias islâmicas e de países subdesenvolvidos (muitos com forte predominância católica), as sociedades chegaram à conclusão de que um feto de um dia não é o mesmo que um bebê de um ano. Conclusão esta, aliás, que está de acordo com o bom senso, excluindo aqueles mais fanáticos em suas crenças religiosas. 

Eis o que Olavo de Carvalho precisa necessariamente defender para manter sua proclamada lógica dedutiva: que em nenhum caso o aborto é defensável, incluindo aí feto anencéfalo, fruto de estupro ou com risco de vida para a mãe, e que tomar a pílula do dia seguinte é análogo a enforcar um bebê no berço, assassinato de um ser humano puro e simples. Pergunto quantas pessoas estão dispostas a sustentar esta bandeira, e quantas delas são fanáticos religiosos... Eu prefiro ficar com a imperfeita alternativa de que cabe à sociedade, de alguma forma, legislar sobre o assunto, reconhecendo que um feto de um dia não é um ser humano, e que direitos, valores e princípios conflitantes estão em jogo, demandando escolhas difíceis. 

Olavo conclui:

Serei um malicioso, um conjeturador de hipóteses rebuscadas, um "teórico da conspiração", ao supor que o estado terminal em que se encontram os partidos "de direita" do Brasil deve algo ao fato de aceitarem como doutrinários pessoas da estatura intelectual do sr. Constantino?

Aqui há uma confusão. Olavo não é malicioso, conjeturador de hipóteses rebuscadas e teórico da conspiração por causa do seu último "programa de rádio", e sim porque já o conheço de longa data e sei que ele é exatamente isso. A crença de que o desmantelamento da URSS foi obra arquitetada pela própria KGB, o excesso de poder mirabolante atribuído ao Foro de SP, a paranoia com o movimento homossexual, a acusação de que a ONU quer controlar o mundo por meio de um governo mundial, a obsessão com a Rede Globo como veículo da revolução cultural gramsciana, enfim, a lista é grande e o astrólogo sabe como teorias conspiratórias seduzem por simplificar um mundo complexo e fornecer bodes expiatórios para os males do mundo. Quem quiser ter uma palhinha do que estou falando, veja aqui o "filósofo" acusando a Pepsi de usar células de fetos abortados como adoçante.

Além disso, ele considera que a "direita" no Brasil está frita porque conta com intelectuais da minha estatura. Pergunto então: em quais países a "direita" está melhor representada e consegue resultados práticos melhores? Pois como citei acima, os países mais avançados do mundo permitem, em sua totalidade, o aborto em situações extremas e no começo da gestação. Será que o problema da nossa "direita" é o pensamento liberal que eu defendo? Ou será que a direita tacanha e saudosista de uma Idade Média idealizada, como aquela que Olavo de Carvalho representa, é que ilustra a decadência de nossa oposição "direitista"? Entre Bolívia, Brasil e Venezuela, ou Holanda, Austrália e Nova Zelândia, qual grupo possui mais liberdade individual e prosperidade? Será que a direita está melhor no Afeganistão e no Haiti do que na Inglaterra?

Pois no primeiro grupo há muito mais gente que pensa como Olavo de Carvalho, a ponto de o aborto ser vetado em todos os casos (agora o Brasil deu um passo à frente, sob duros ataques de Olavo de Carvalho e seus seguidores, permitindo o aborto de fetos anencéfalos para permitir que gestantes coloquem um fim, se assim desejarem, ao fardo de carregar no útero um feto que jamais será um ser humano de fato), enquanto no segundo grupo a minha postura é predominante nesse caso (e em outros). Logo, soa um tanto estranho e contraditório o "filósofo" acusar o liberalismo que eu defendo como causa da miséria de nossa oposição e da "direita" no país. Será que ele preferia o Talibã como ícone da nossa direita?  

Não, sr. Olavo de Carvalho, o principal problema da nossa "direita" (ao menos a parcela que você representa) é que ela ainda não saiu da Idade Média! Felizmente, o mundo saiu, e vocês não podem mais calar os "hereges" na marra. Se você pensa que há mais liberdade nos países que adotam sua postura extremista e proíbem o aborto em qualquer caso, tenho certeza que muitos vão concordar que Estados Unidos, Holanda, Austrália, Inglaterra e Nova Zelândia representam opções bem melhores que Afeganistão, Brasil, Haiti, ou Venezuela, onde o fanatismo religioso ainda não foi extirpado pelo iluminismo.   




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