Detalhes tão pequenos do eleitor
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Detalhes tão pequenos do eleitor


Por Luciano Martins Costa, no Observatório do Imprensa:

A divulgação simultânea de pesquisas de dois dos principais institutos – Ibope e Datafolha – diz muito sobre o papel da imprensa na disputa eleitoral. Nas edições de quarta-feira (1/10), os três principais diários de circulação nacional fazem um jogo de mostra-esconde com seus leitores: a tendência é destacar a recuperação do candidato Aécio Neves e apostar na realização de um segundo turno, com o senador do PSDB recuperando o terreno perdido para Marina Silva, do PSB.

Interessante observar que a Folha de S.Paulo analisa apenas os dados de seu instituto, fazendo uma referência rápida ao Ibope, enquanto o Estado de S.Paulo, copatrocinador, com o Globo, da pesquisa eleitoral do Ibope, faz o contrário, como era de se esperar. Mas o Globo abre os gráficos dos dois institutos, dando mais destaque para o Datafolha. Em qualquer dos cenários apontados pelos jornais, os números indicam a possibilidade de Aécio Neves superar Marina Silva até domingo, o dia da eleição, principalmente em função da maior capacidade de mobilização do PSDB nos grandes centros urbanos.

O Datafolha entrevistou 7.520 pessoas em 311 municípios, enquanto o Ibope consultou 3.010 pessoas em 203 municípios. As pequenas discrepâncias entre os dados apresentados pelas duas pesquisas podem ser explicadas pela diferença na cobertura, mas como os jornais não informam o perfil das populações onde foram coletadas as opiniões, não se pode analisar eventuais distorções.

De qualquer modo, 3.010 é menos do que a metade de 7.520, o que permite discutir o critério de seleção das amostragens. Por exemplo, no estado de Santa Catarina o PSDB perde votos nos municípios com maior influência da família Bornhausen, que trocou a antiga aliança com os tucanos pelo apoio ao PSB de Marina Silva. Por outro lado, no estado de São Paulo uma pequena diferença na coleta de opiniões em algumas regiões pode produzir números mais expressivos em favor de Aécio Neves. Em Minas Gerais, uma coleta mais densa ao norte mostra um eleitorado com perfil mais próximo ao dos estados nordestinos.

Essas são questões que exigiriam uma análise muito detalhada de cada pesquisa, de modo que sempre escapa algum aspecto capaz de provocar mudanças significativas entre a coleta de intenções de voto e o voto que efetivamente será registrado nas urnas eletrônicas.

O voto constrangido

É interessante observar que os três jornais esquecem de analisar o índice de aprovação do governo federal. Segundo o Ibope, 38% consideram o governo “ótimo ou bom”, 33% o apontam como “regular” e os que o consideram como “ruim ou péssimo” continuam sendo os mesmos 28% desde a consulta feita entre os dias 5 e 8 de setembro. No Datafolha, 37% consideravam o governo “ótimo ou bom” nas duas pesquisas anteriores, e agora são 39%, enquanto os que o classificavam como “regular” passaram de 39 para 37% em uma semana. Os que o apontam como “ruim ou péssimo” são 23%.

Há uma relação clara entre a reputação do governo e o crescimento da candidatura de Dilma Rousseff, por isso era de se esperar que os jornais continuassem a demonstrar como a contrainformação produzida pela propaganda da candidata tem anulado em parte o viés negativo que predomina na mídia tradicional. Nesse aspecto, seria interessante destacar que os 28% (segundo o Ibope) ou 23% (segundo o Datafolha) que consideram o governo atual “ruim ou péssimo” são os mesmos que não votariam em Dilma Rousseff em nenhuma hipótese.

O fenômeno se parece muito com o episódio relatado pelo radialista Francisco Paes de Barros, em artigo publicado no Estado de S. Paulo (ver aqui): em 1985, Fernando Henrique Cardoso era apontado como vitorioso na disputa contra Jânio Quadros pela prefeitura de São Paulo; com exceção da Rádio Record, que fazia sua própria pesquisa, todos os institutos apontavam, até a véspera, uma vitória do sociólogo sobre o ex-presidente.

Fernando Henrique chegou a sentar-se na cadeira de prefeito, a pedido de um fotógrafo daFolha de S.Paulo. Jânio venceu com o “voto envergonhado”, que não aparecia nas pesquisas, e desinfetou a cadeira antes de assumir.

Em 2014, os números crescentes de aprovação do governo federal, mesmo sob intenso bombardeio da imprensa, indicam que há uma fração considerável do eleitorado dissimulada nas pesquisas, onde se esconde o voto constrangido. Como Aécio Neves e Marina Silva terão que atacar um ao outro na reta final, esse voto pode definir a eleição em primeiro turno.

São detalhes como esse que desmoralizam os profetas da imprensa.




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