DIA DO ORGULHO HÉTERO, O RETORNO
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DIA DO ORGULHO HÉTERO, O RETORNO


Assim como tanta gente, eu achava que o fundo do poço era ter tido Marco Feliciano como presidente da Comissão de Direitos Humanos. Que nada. O fundo do poço é Eduardo Cunha como presidente da Câmara. 
Um fundamentalista religioso como terceiro nome na sucessão presidencial!
Faz tempo que eu e várias outras feministas e demais ativistas alertamos sobre Cunha, deputado da bancada evangélica pelo PMDB-RJ e chantagista profissional para barrar projetos. Como esse sujeito chega à presidência da Câmara é um mistério, mas as consequências são nefastas para todo mundo.
Conforme previsto, Cunha já pôs as asinhas pra fora: de cara, passou a demonstrar sua agenda reaça. Na segunda-feira, disse que para aprovar a legalização do aborto (e a regulamentação da mídia), só passando por cima do seu cadáver (vale lembrar que ele foi o principal articulador para que o governo recuasse, ano passado, na portaria que cumprisse a lei para que o SUS cobrisse casos de aborto legal).
O Católicas pelo Direito de Decidir deu uma excelente resposta ao deputado: nós já temos cadáveres demais das mulheres que abortam ilegalmente. Não precisamos do seu. (Aqui, um outro texto ótimo sobre ser mãe e ainda assim defender o direito de escolha). 
Cunha também permitiu a retomada da discussão do Estatuto da Família, que define família apenas como união entre homem e mulher. Na prática, tal nomenclatura pode impedir que casais homossexuais adotem crianças. A Justiça tem garantido a adoção (embora não esteja na lei), mas o Estatuto quer justamente que adoções só sejam liberadas para quem é casado no civil ou esteja em união estável. 
E tem mais: o projeto também prevê a inclusão de uma disciplina chamada "Educação para a família", que obviamente vê "família" como apenas uma (casal hétero com filhos). 
Como cereja do sundae, Cunha vai desarquivar seu próprio projeto. Sim, é dele a autoria de um projeto esdrúxulo para criar o Dia do Orgulho Hétero. 
Porque, a gente sabe, a verdadeira vítima do racismo é o branco, a verdadeira vítima do sexismo é o homem, e a verdadeira vítima do preconceito contra orientação sexual é o hétero. Inclusive, milhares de brasileiros são mortos todos os anos por serem brancos, homens e héteros. Aham.
Escrevi um post do qual me orgulho bastante em 2011, quando um projeto parecido foi vetado em SP. Reproduzo aqui parte do que disse:

Vários homens marchando para
provar que são homens com H
Ter orgulho de ser hétero é querer celebrar a sorte que você tem simplesmente por ter nascido hétero. É ostentar riqueza, e ostentação de riqueza não pega bem. Sabe quando um milionário fútil gasta milhares de reais festejando o aniversário do seu bichinho de estimação? Sabe quando um cara tem a petulância de reclamar das suas férias num resort de esqui porque lá não estava frio o suficiente? Sabe quando o filhinho de papai critica a empregada por mexer nas suas coisas, sem imaginar que ser empregada não é um emprego dos sonhos, e que é um privilégio ter alguém pra limpar a sua sujeira?
Então. Você, hétero, ao querer celebrar publicamente sua heterossexualidade, é um filhinho de papai. Porque ninguém está mexendo nas suas coisas ou ameaçando tirá-las de você. Porque sua orientação sexual não está correndo riscos. Porque você tem e vai continuar tendo todo o direito de andar de mãos dadas, beijar, casar com alguém do sexo oposto, adotar uma criança, e ninguém vai te olhar feio. 
"Porque muitos são, mas poucos
se orgulham"
Ninguém vai te expulsar do recinto, ninguém vai te bater ou matar, ninguém vai querer te transformar, ninguém vai dizer que se envergonha de ser seu pai/mãe, ninguém vai pensar que sua orientação sexual é depravada ou relacioná-la à pedofilia, ninguém vai te despedir do emprego por causa da sua heterossexualidade, ninguém vai dizer que o que você faz é pecado e que você vai arder no inferno por conta disso. 
Ou seja, você não precisa de uma data específica pra defender sua orientação sexual. Ela não está sob ataque. Todo santo dia você está mostrando seu orgulho hétero. Todo dia é um desfile sem fim pra você. Então, em vez de se orgulhar do seu privilégio, que tal envergonhar-se de viver numa sociedade que insiste em negar direitos a quem não é “normal” como você?
Marcha pela vida em Fortaleza, com
bandeira integralista

E vai vendo, porque Cunha tentará instituir também um dia oficial contra o aborto (como já existe em Fortaleza). E, de repente, um dia do Orgulho de Ser Branco. Tudo é possível com um Congresso como esse. 




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