Dilma e a economia - CRISTIANO ROMERO
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Dilma e a economia - CRISTIANO ROMERO


VALOR ECONÔMICO -26/03

Na transição, Dilma disse a Meirelles que queria juro real de 2%


Dilma Rousseff era ministra das Minas e Energia quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cansado de ouvir críticas à política econômica, decidiu lhe pedir um plano alternativo. O plano nunca veio, mas ali ficou claro para Lula que a auxiliar, muito longe de se tornar sua principal ministra e mais tarde sucessora, não convivia bem com as escolhas feitas em 2003.

Em 2005, fragilizado pelo escândalo do mensalão, Lula perdeu um de seus principais ministros - José Dirceu - e viu o outro - Antonio Palocci - sofrer um paulatino processo de enfraquecimento. Quando Dirceu deixou a Casa Civil, Lula pensou em nomear Palocci, mas temeu a reação do PT.

Palocci simbolizava a maior distensão ideológica e programática vivida pelo PT em mais de 20 anos de história. Nomeá-lo para o cargo de principal ministro dificultaria a reaproximação com a esquerda, que considerara seu governo, até ali, uma continuação das políticas "neoliberais" do PSDB de Fernando Henrique Cardoso.

No auge da crise do mensalão, Lula fez um pacto com as centrais sindicais: elas defenderiam seu mandato, se necessário nas ruas, mas dali em diante o governo passaria a atender às demandas de sua "base social" e, mais importante, não faria nada que lembrasse uma privatização.

Foi nesse contexto que Lula autorizou reajustes generosos tanto para o salário mínimo quanto para os vencimentos dos funcionários públicos. Paralelamente, engavetou a regulamentação da reforma constitucional que acabou com a aposentadoria integral do funcionalismo.

Não tardou para a inflexão fazer sua primeira vítima: Antonio Palocci. O então ministro da Fazenda, com apoio do ex-ministro Delfim Netto e do ministro Paulo Bernardo, decidiu propor um plano para zerar o déficit público. Para Palocci, isso ajudaria Lula a sair da crise, uma vez que os setores empresarial e financeiro apoiariam a iniciativa.

Lula, por sua vez, acreditava que seria mais prudente promover a inflexão com e não sem Palocci. Mas decidiu, ao seu jeito, sabotar o plano do ministro. Nos bastidores, instou Dilma a atacar o "déficit zero", o que ela fez com entusiasmo durante apresentação de Paulo Bernardo no Palácio do Planalto. Em entrevista ao "Estado de S. Paulo", a ministra sepultou publicamente a proposta ao tachá-la de "rudimentar".

O recado foi bem entendido: Palocci não era mais o número 1 da economia. Quatro meses depois, atingido por denúncias de envolvimento na quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, deixou a Fazenda - em 2009, foi inocentado da acusação pelo Supremo Tribunal Federal.

No segundo mandato, Dilma formulou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um plano de investimento público em obras de infraestrutura. Na prática, funcionou mais como peça de marketing e por uma razão muito simples: o Estado brasileiro não dispunha de folga fiscal para bancar esses gastos.

No segundo mandato de Lula, Dilma evitou fazer críticas à política monetária, que ficou imune à inflexão. Não se sabe ao certo se ela participou dos movimentos para desestabilizar Henrique Meirelles do comando do Banco Central (BC). Tinha consciência de que Lula resistiria à mudança, como de fato ocorreu. Certa vez, questionada sobre as constantes críticas do PT à política econômica, disse que a sigla tinha o direito de criticar, já que não podia mudar a política.

Lula já pensava, desde 2007, em lançar a ministra como candidata à sucessão, mas só disse isso a ela em outubro de 2009, um ano antes da eleição. Na conversa, explicou-lhe que ela precisaria de Palocci, na campanha e no governo, para acalmar empresários e banqueiros. Lula acreditava que a presença do ex-ministro ajudaria na defesa de seu legado.

Na campanha, Dilma adotou discurso conservador. Declarou, por exemplo, que, para reduzir os juros, seria necessário elevar o superávit primário das contas públicas e diminuir a dívida pública como proporção do PIB. Nos bastidores, porém, questionou Henrique Meirelles por causa do aumento da taxa Selic em pleno ano eleitoral.

Eleita, Dilma deixou claro, em conversa com Meirelles, que gostaria de ver a taxa real de juros reduzida a 2% em 2014. Em resposta, o então presidente do BC explicou que não seria possível trabalhar com meta de juros e que só faria sentido ter uma meta para a dívida. A conversa selou o destino de Meirelles, que deixou o BC depois de oito anos. O desenlace desagradou a Lula.

Os primeiros oito meses de Dilma foram uma continuidade da gestão anterior. A presidente não fez objeção à alta dos juros, mas passou a ouvir críticos implacáveis da política econômica. Em agosto de 2011, o BC deu um cavalo de pau na política de juros. Nos meses seguintes, entusiasmada com a queda dos juros, Dilma forçou também mudanças no regime cambial e na política fiscal.

A inspiração da "nova matriz macroeconômica" era a Turquia, que abandonou "temporariamente" o regime de metas para inflação com o objetivo de reduzir juros. O resultado foi crescimento acelerado nos primeiros anos, mas com inflação alta e déficit explosivo em transações correntes, um saldo parecido com o da experiência brasileira, apesar de uma diferença - aqui, o crescimento acelerado nunca se materializou.

Em 2013, os resultados pífios da "nova matriz", a aceleração da inflação, a ameaça de rebaixamento da dívida brasileira e a redução dos estímulos monetários nos Estados Unidos levaram Brasília a promover, com muita relutância, um rearranjo da política econômica. O BC aumentou os juros e o câmbio parou de ser manipulado.

O risco de rebaixamento obrigou o governo não só a se comprometer com uma meta de superávit primário, mas também com o aumento da transparência fiscal. Apesar das promessas, as dúvidas remanescem, tanto que a Standard & Poor"s materializou o rebaixamento, deixando o país a uma nota de um retrocesso de proporções épicas.

Dilma mostrou, em sua gestão, que não concorda com a política herdada de Lula e FHC. Operou transformações e não obteve o efeito esperado. A dúvida é, se reeleita, retomará a "nova matriz" ou voltará à política dos antecessores. Nove entre dez economistas afirmam que 2015 será um ano do ajuste, não importa quem esteja no comando do país. Dilma fará o ajuste? É esta a incerteza subjacente nos preços da economia: juros, câmbio e bolsa.

Em 2010, em palestra a sindicalistas, Zé Dirceu afirmou: "A eleição da Dilma é mais importante que a do Lula porque é a eleição do projeto político, porque Dilma nos representa".





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