Por Emir Sader, no sítio Carta Maior:“Veinta años no es nada”, cantam Gardel e Le Pera em Volver. Dois anos, quanto serão?
A Frente para a Vitória, dos partidos que apoiam a Cristina, conseguiu reter maioria – ainda que apertada, em alianças – na Câmara e no Senado. Mas isso bastará para dar uma virada no quadro politico apresentado pelas eleições parlamentares desta semana até a presidencial de 2015?
Três anos atrás morria Nestor Kirchner e o clima – combinado com o bicentenário da independência – favoreceram uma virada no clima politico, que levou Cristina a reeleger-se, em 2011, com 54% dos votos, recuperando-se do baque provocado pelo movimento opositor de 2008, dos exportadores de soja com a classe média portenha. Essa montanha russa levou agora à queda dos 54% das presidenciais a 32% dos partidos que a apoiam. Uma perda de mais 20% em dois anos.
A oposição, por sua vez, está menos dividida que há dois anos. Mauricio Macri, prefeito de Buenos Aires, representando a direita, já se lançou candidato à presidência. O Partido Radical, como sempre, deve apresentar seu candidato, talvez o ex-vice presidente Julio Cobos. Mas a novidade é o surgimento de Sergio Massa, ex-kirchnerista, prefeito de Tigre, cidade da província de Buenos Aires, o grande vencedor das eleições desta semana, que se projeta como o favorito para unificar a oposição, pelo menos no segundo turno.
O governo, sem a possibilidade de reeleição de Cristina, fica entre o ex-vice presidente de Nestor Kirchner, o moderado Daniel Scioli, governador da província de Buenos Aires, com bom apoio na província que reúne quase 40% do eleitorado nacional ou algum kirchnerista que representaria uma continuidade mais direta do governo de Cristina, como governadores que tiveram boas reeleições, porém de províncias de pouca expressão, mas com maiores riscos de derrota para Cristina.
A mudança ou não do quadro atual desfavorável para o governo vem da comprometida situação econômica do país. O governo arrasta déficits públicos elevados, em grande medida pelos subsídios ao consumo de energia, depois que, entre as heranças malditas que Carlos Menem deixou a seus sucessores, estava a privatização da YPF, fazendo a Argentina passar da autossuficiência energética à necessidade de compras gigantescas de petróleo e gás e do subsidio ao consumo, para impedir que a inflação disparasse. Os déficits públicos sobem incessantemente, sem impedir que exista uma inflação real de 25%, mesmo se índices oficiais digam que é de 10%.
A renegociação da imensa dívida deixada pela política suicida de paridade entre o dólar e o peso, de Menem – bomba de tempo que terminou explodindo no começo do século, levando o pais à sua pior crise econômica, social e política –, realizada por Nestor Kirchner, teve sucesso, salvo que 8% dos credores a rejeitaram e seguem bloqueando os créditos internacionais à Argentina. O controle cambial não é suficiente para frear a queda das reservas e ainda introduz desequilíbrios que afetam a economia, não impedindo o mercado negro, em que o peso custa 70% mais do que o preço oficial.
Esses desequilíbrios econômicos se refletem no desgaste dos salários, pela inflação real, sendo o responsável por parte da perda de apoio do governo.
A essa conjuntura difícil se soma a situação de saúde da Cristina. Depois da operação no cérebro, como resultado de uma queda que ela teve em agosto, se revela que ela tem arritmia, o que pode levar a que tenha que se submeter a uma outra operação, mais delicada.
Quando, pela combinação da situação econômica difícil e do revés eleitoral, se requer, mais do que nunca, sua capacidade de direção política. O vice-presidente, Amado Boudou, tem pouca legitimidade, pelas processos de corrupção ainda pendentes, que desgastaram muito sua imagem. A equipe econômica, dividida entre a possibilidade de uma desvalorização da moeda ou não, requer ainda mais uma condução unificada, que só Cristina pode dar. E não se sabe quando ela pode reassumir a presidência.
O tempo passa a contar contra o governo, numa contagem regressiva que faz dos dois anos que restam para o terceiro – e ultimo - mandato sucessivo dos Kirchner – anos decisivos para o processo de reconstrução que lograram ao longo da última década.
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