É câmbio ou é salário? - CELSO MING
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É câmbio ou é salário? - CELSO MING


O ESTADÃO - 29/06

Alta do dólar é perda de salário. Para quem não tem intimidade com economia, parece difícil entender que o câmbio, ou seja, o preço da moeda nacional em relação a outra, corresponde também ao poder de compra do salário. "Se meu salário é em reais e está fixado no meu contrato de trabalho, por que varia de acordo com a cotação do dólar"? - é o que tanta gente pergunta, especialmente agora que o câmbio segue aos solavancos.
Talvez fique mais fácil entender essa relação se, em vez de salário, tomarmos o conceito de renda, que corresponde ao valor da produção, o mesmo que Produto Interno Bruto (PIB). Esse bolo é distribuído pela população, em fatias maiores ou menores, dependendo da condição de cada um. Se o câmbio está valorizado, ou seja, se em reais se compram mais dólares, a renda também é puxada para cima, isto é, o salário ganha maior poder de compra em moeda estrangeira. Do ponto de vista da produção, salário mais valorizado devido à alta do dólar implica mais custos de produção (salário mais alto em dólares). E, do ponto de vista do comércio exterior, salário elevado compra mais mercadorias importadas. Por isso, o câmbio valorizado pressiona a balança comercial: a população come parte do que seria exportado, o que derruba as receitas com exportações e aumenta as importações.
Numa situação de crise econômica, sobretudo quando essa crise atinge as contas do País com o exterior, é preciso conter os salários. Um jeito impraticável de fazer isso é o governo baixar um decreto que reduza, digamos em 20%, todos os salários, proventos, honorários, aluguéis, dividendos, enfim, tudo o que for considerado renda. É mais prático, simplesmente, desvalorizar a moeda: o dólar estava a R$ 2,15 e passa a R$ 2,40.
A manobra é semelhante ao que ocorre quando o governo quer poupar energia elétrica no verão. Seria complicado garantir o cumprimento de um decreto assim: a partir de amanhã, todos vão se levantar e dormir uma hora mais cedo. É claro, não funcionaria. É mais prático decretar o horário de verão com o adiantamento nos relógios em uma hora.
Antes da criação do euro, os alemães perceberam que não podiam contar mais com a capacidade de determinar a política cambial, porque a moeda passaria a ser comum aos 17 membros, como é hoje. Com isso, viram que não podiam aumentar suas exportações com manobras de desvalorização da moeda nacional. O que fizeram? Para garantir sua competitividade dentro e fora do bloco, os alemães fizeram no governo Gerhard Schroeder um acordo nacional, que envolveu políticos e sindicatos, determinando a redução dos salários. Foi como diminuíram os custos de produção sem recorrer à desvalorização cambial. Uma das maiores queixas dos demais sócios da área do euro é que os alemães jogam duro ao aceitar sacrifícios insuportáveis que depois querem impor aos vizinhos.
No Brasil, fazemos o contrário. Em razão de vários fatores (inclusive da valorização do real diante das outras moedas fortes), os salários vêm aumentado muito acima da produtividade do trabalho. O resultado (entre outras questões) é mais consumo, menos investimento e uma indústria cada vez mais anêmica.
O fator câmbio.
A melhora da dívida líquida em reais do setor público em maio não foi o resultado da melhora das condições fiscais (que englobam receitas e despesas do setor público). Foi, mais que tudo, consequência do impacto da alta do dólar (desvalorização do real) sobre os créditos (que estão em dólares) das reservas em reais. Ao final de maio, as reservas estavam a US$ 374,4 bilhões.





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