E O FAMIGERADO MACHISMO DAS MULHERES?
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E O FAMIGERADO MACHISMO DAS MULHERES?


A Valéria tem algumas dúvidas que certamente incomodam a todxs nós:

"Meu nome é Valéria, sou advogada, tenho 22 anos e moro em Santos. Senti necessidade de mandar este email porque algumas questões vem me incomodando por algum tempo e sinto que estou só no meio da multidão. Acabei encontrando seu blog por uma alegria do destino e senti muita, mas muita vontade de compartilhar algumas coisas.
Bom, vamos a elas. Um pouco da minha história pra você entender o x da questão.
Eu namoro há 6 anos com um rapaz lindo e maravilhoso, e quanto a isso não tenho nenhum problema.
Ocorre que algo que me deixa simplesmente enlouquecida é aquele nosso tão conhecido machismo DAS MULHERES. Olha, vou te contar, machismo já é uma palavra feia por natureza, absurdo quanto praticado por homens. No entanto, quando praticado por mulheres, fica fora do meu entendimento. Como que pode isso? 
Essa prática de 'machismo feminino' é muito popular na família no meu namorado, daí meu desconforto eterno. Por um milagre, meu namorado não foi influenciado por esse mal e é quase um homem feminista. Minha sogra tem muitas qualidades, é muito boa comigo, amo ela de verdade! Mas ainda sim, ela sofre dessa doença. E o resultado dessa lambança? Eu passo por folgada, mal educada e respondona porque me recuso a fazer coisas que só podem ter vindo de Marte, porque não é possível. Ela já chegou a dizer que eu tenho que cortar as unhas do meu namorado! Oi?
Não é só ela que sofre desse mal, há algumas outras mulheres da família -- será que é contagioso? Uma vez estávamos em um churrasco e minha sogra (e não meu sogro ou cunhado) estava pra lá e pra cá com as coisas quando a avó do meu namorado se manifesta: 'Valéria, você não vai ajudar sua sogra?' De tantos outros homens fortes que estavam lá, ela foi justo pedir pra mim, que absurdo! 
Será que só eu acho isso estranhíssimo? Será que só eu me revolto quando vejo uma mulher pegando um prato que ficou na mesa largado por um homem? E lá vai novamente a folgada da Valéria que nunca ajuda. As outras namoradas dos outros homens sempre se orgulham de servir seus homens, como essa Valéria é assim?
Eu acredito que um dia isso há de acabar, tenho esperança! Minha esperança se baseia no meu namorado, que até brinca com a situação."

Minha resposta: É, Valéria. Não há muita coisa que tire feminista mais do sério que o machismo que vem das mulheres. Não que esse "machismo feminino" seja pior que o machismo que vem dos homens. Também não vamos entrar nessa de "não existe nada pior que mulher machista", porque, bem ou mal, mulher machista não espanca outras mulheres (salvo exceções), mulher machista não vê mulher como sua propriedade e portanto não mata quem quer terminar a relação. Aquele ditado -- "O feminismo nunca matou ninguém. O machismo mata todos os dias" é muito verdadeiro. E esse machismo que mata todo dia vem dos homens machistas.
Porém, mesmo menos fatal, o machismo que vem das mulheres nos revolta, assim como o racismo que vem de negros, ou a homofobia que vem de homossexuais, porque ele perpetua e, pra muita gente, legitima preconceitos (a gente chama isso de validadoras). Como uma pessoa que pertence a um grupo historicamente oprimido pode querer colaborar tão avidamente com essa opressão? Será que a pessoa não percebe que está oprimindo a si mesma?
Algumas percebem, outras não. Há vários tipos de mulheres machistas. Imagino que existam mulheres que são conscientemente machistas em troca de vantagens. Elas veem que o machismo tem mais a lhes oferecer que o feminismo. Pode ser o caso de várias moças jovens e dentro do padrão de beleza que trabalham na televisão. Pra elas, o machismo proporciona oportunidades de emprego, ainda que não sejam empregos bem-remunerados (essas mulheres decorativas e sem voz recebem menos de R$ 2 mil mensais). 
O livro da americana Ariel Levy, Female Chauvinist Pigs: Women and the Rise of Raunch Culture (não sei traduzir, algo como "Porcas Chauvinistas Femininas: Mulheres e o Aumento da Cultura da Baixaria"), pode oferecer algumas pistas. Prometo falar mais dele em outro post, mas o que o livro basicamente diz é que muitas americanas jovens sentem que precisam provar que são liberadas sexualmente, que não são puritanas, que gostam de homem, e que -- pra não afugentá-los -- não são feministas. Então, muito mais que fazer sexo e buscar prazer, essas mulheres machistas têm que aparentar fazer sexo. 
E pra isso, dá-lhe Girls Gone Wild (infame programa de TV em que jovens tiram suas roupas em frente à câmera), dá-lhe frequentar clubes de strip tease, dá-lhe fazer aulas de pole dance. Muitas mulheres machistas (e hétero) afirmam que não gostam de mulheres, que sentem-se melhor entre homens (sabe aquilo de "odeio ter chefe mulher", "trabalho melhor com homens", "todos meus amigos são homens"?), que não gostam de "coisas femininas", como maquiagem e salto alto (embora, como aponta Levy, haja uma contradição: muitas dessas mulheres machistas têm como ídolas mulheres que são adeptas do "feminino", caso de estrelas pornô). 
Como explicar mulheres que comentam em blogs machistas, por exemplo? É triste ver meninas querendo ser aceitas por homens que as desprezam. E geralmente esses caras as desprezam apenas porque elas são mulheres. Mas elas não se tocam, e insistem em tentar provar pros machistas que são mulheres diferentes, que elas sim não são vadias, que elas sim sabem seu lugar, ou, dependendo do site, que elas sim têm senso de humor e sabem rir de piadas misóginas. 
Lógico que nem a sua sogra nem a avó do seu namorado entram nessa categoria de mulheres machistas. Elas devem ser mulheres tradicionais, que acreditam piamente em tudo que lhes foi ensinado pela religião e por outras ideologias: que homens e mulheres têm papéis sociais diferentes, e que o papel da mulher é ser submissa, servir, ser mãe, ser decorativa. 
Resumindo: há vários tipos diferentes de mulheres machistas e, sem dúvida, elas se detestam. Tipo: a vó do seu namorado deve achar uma pouca-vergonha o que faz uma jovem que se aproveita de um sistema machista (sei lá, uma Panicat, que defenderá o sistema até ser vítima dele). Uma leitora que manda foto sem roupa pro Testosterona deve achar sua sogra careta e ultrapassada. E por aí vai.
Mas uma coisa todas elas têm em comum: são ferrenhas anti-feministas. É o anti-feminismo que as une, mais que o machismo, que é difuso e se manifesta de diversas formas. Elas compartilham do estereótipo da feminista que existe há 170 anos, desde que as primeiras sufragistas inventaram que mulher devia poder votar. Sabe, né? Que feminista é gorda feia histérica lésbica peluda que odeia homem mas misteriosamente quer ser homem. Em geral, mulheres machistas não querem ser incomodadas com esse papo-aranha de que o mundo precisa mudar. Tá tudo bem do jeito que tá.
A maior parte de nós feministas já passamos por isso. Já fomos mulheres machistas, e temos que nos policiar para não incorrermos em atitudes machistas, racistas, homofóbicas do dia a dia. Sempre temos que lutar contra preconceitos internalizados. Não viemos de uma galáxia distante. Não é que Mulheres Machistas são de Marte, e Mulheres Feministas são de Vênus. Vivemos no mesmo mundo, que é um mundo preconceituoso. Muitas de nós tivemos a mesma educação da de mulheres machistas. 
É raro uma mulher feminista voltar a ser machista. Acontece, claro, e essas ex-feministas (agora anti-feministas) se tornam as poster girls dos machistas, mas é raro. Infinitamente mais comum é mulher machista virar feminista. E cada uma de nós tem um motivo diferente pra se tornar feminista, uma faísca individual que acendeu esta chama. 
Pra ser mulher machista não tem que fazer muito esforço: é só nascer onde nasceu e não sair do lugar. Mas não basta ser machista, tem que participar. Tem que patrulhar todas as outras mulheres para que elas voltem ao seu lugar de origem. Daí chamar de vadia a mulher que gosta de sexo, de folgada quem não serve o namorado, de respondona quem protesta.
Mas não se avexe não, Valéria. Você definitivamente não está sozinha.





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