E O NELSON RODRIGUES, HEIN?
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E O NELSON RODRIGUES, HEIN?


A Mariana perguntou:

"Primeiramente gostaria de te agradecer. Obrigada por escrever. Me sinto feliz lendo seus textos pois me dão esperança de acreditar que ainda há esperança. Estou te escrevendo agora para falar de um assunto, um sujeito. Um sujeito morto, enterrado e louvado por todo mundo.
Nelson Rodrigues.
Eu namoro um ator, então fui mais do que apresentada à estupidez de Nelson Rodrigues e afins. Mas o que me incomoda é: ninguém contesta o que esse imbecil disse.
A única coisa que encontrei na internet questionando a superioridade indiscutível desse babaca foi a ex-ministra Iriny Lopes, que disse: 'Nelson Rodrigues já morreu. A obra dele está aí, feita e refeita. Com releitura, sem releitura. Mas nenhuma 'mulher gosta de apanhar' (referência à célebre frase do escritor: 'Toda mulher gosta de apanhar. Todas não, só as normais'). Nem hoje nem naquela época. Mas, naquela época, as mulheres não tinham voz suficiente para dizer: 'Eu não gosto de apanhar.' Ninguém gosta de apanhar, e por que a mulher gostaria?'
Mas ela é criticada, Lola! Não se pode ir contra as coisas que esse cara escreveu sobre a mulher sem ser apedrejada.
Tem coisas absurdas na internet, tão absurdas quanto o que Nelson Rodrigues dizia. E o assustador é que isso reflete a opinião da maioria. A maioria que assiste Faustão e Pânico. O que fazer? Qual a sua opinião a respeito? Você já escreveu sobre Nelson Rodrigues?
'As feministas querem reduzir a mulher a um macho mal-acabado.' (Nelson Rodrigues)."

Minha resposta: Muita gente pede a minha opinião sobre Nelson Rodrigues. E é uma opinião que eu tenho de muita gente talentosa: como _____ [insira aqui a profissão da pessoa em questão], ela foi incrível, genial. Como pessoa, uma droga. 
Tem um montão de gente que discorda de mim nisso, que acha que, se uma pessoa carrega uma mácula terrível demais em sua vida, sua obra deve ser boicotada, descartada. Um bom exemplo é o diretor Roman Polanski que, há quase quatro décadas, estuprou uma menina de 13 anos. O que ele fez é horrível, sem dúvida, mas, pra mim e pra muita gente (como os votantes do Oscar, que lhe deram uma estatueta em 2002 por O Pianista), é possível detestá-lo como pessoa e ainda assim amar vários de seus filmes, como Chinatown e O Bebê de Rosemary
Eu já escrevi bastante sobre quanto tempo é necessário para "perdoar" (ou seja, para voltar a dar uma chance às obras) de uma celebridade que fez algo imperdoável na sua vida pessoal. A resposta, óbvio, depende de cada um. E depende da importância do artista. Pra mim, ignorar um célebre machista como Jece Valadão (apesar d'ele ter sido um bom ator de várias peças de Nelson) é meio fácil. É o tipo de celebridade que é a sua própria obra, tipo Danilo Gentili.
Eu adoro Nelson Rodrigues, o escritor. Devo ter lido pelo menos dez de suas 17 peças teatrais (amo Perdoa-me por me Traíres, Vestido de Noiva, O Beijo no Asfalto, Toda Nudez Será Castigada, Os Sete Gatinhos, Álbum de Família). Li seu delicioso folhetim Meu Destino é Pecar, assinado pelo pseudônimo Susana Flag. Devorei os picantes A Vida como Ela É e Engraçadinha anos antes d'eles terem sido filmados pela Globo. Li também O Anjo Pornográfico, excelente biografia que Ruy Castro escreveu sobre ele. 
Embora muita coisa na obra de Nelson seja machista e datada, nada se compara ao que ele foi em sua persona, na sua figura pública. Lendo O Anjo, pode-se ver que ele teve uma vida miserável. Seu irmão foi assassinado na sua frente na redação do jornal em que ambos trabalhavam, e seu pai, também jornalista, morreu de desgosto alguns meses depois.
Nelson sempre foi um reaça de marca maior: chamava Marx de besta, condenava o feminismo, dizia que a icônica Betty Friedan (que escreveu um dos livros mais revolucionários da história americana) deveria ser internada num hospício... Nelson mesmo se intitulava "uma múmia". 
A ironia era que vários reaças (como Carlos Lacerda) o odiavam, por considerá-lo um pervertido. Suas peças, vistas por muitos como imorais, eram constantemente censuradas. E ainda assim, Nelson foi um ferrenho defensor da ditadura militar -- até ter suas certezas abaladas quando seu filho, um guerrilheiro, foi preso e torturado por esse mesmo regime que Nelson defendia.
Quer outra ironia? Os reaças que citam a célebre frase de Nelson sobre mulheres gostarem de apanhar ("só as normais") -- e tem que ser reaça pra falar uma asneira dessas a sério -- provavelmente só conhecem essa frase de toda a vasta obra criada por ele. E aqui estou eu, uma feminista de esquerda (perdoe a redundância), defendendo Nelson, afirmando que, como pessoa, ele era um excepcional dramaturgo.
Não faz muito tempo, uma professora da UFSC lançou um "dicionário machista" reunindo centenas de falas machistas. Lógico que Nelson Rodrigues aparece com várias contribuições. Outro frequentador assíduo é Vinicius de Moraes. Todo mundo cita a frase "As feias que me perdoem, mas beleza é fundamental". Faz parte do senso comum. Mas poucos conhecem esta, também de sua lavra: "Existem umas feias potáveis. Mas a maioria só serve mesmo para fazer sabão". Ah, esse poetinha! 
Na época o pessoal achava lindo o que ele dizia. E concordava com ele. Hoje Vinicius ainda teria espaço de sobra pra falar besteira. Quando não estivesse fazendo o que ele sabia fazer (compor música e poemas -- eu cresci lendo os poemas de Vinicius e Cecília Meirelles), ele estaria competindo com Pondé pelo título de quem é o panaca misógino mais ignorado pelas feministas, ou, quem sabe, formando dupla com Rafinha Bastos para contar piada em que mulher feia (esses seres que só servem pra virar sabão) deve ficar feliz por ser estuprada.
Aliás, vi em algum lugar que Pondé escreveu um livro só se baseando em frases de efeito de Nelson Rodrigues. Esses caras devem ganhar gratificação por polêmica causada, só pode. E o pior é que só chamam a atenção de quem pensa como eles. Não tem ninguém que preach to the choir (que pregue aos convertidos, ou jogue pra torcida) tanto quanto conservadores e reacionários.
A idiotice maior não é de Nelson Rodrigues, que colocou em palavras muito do que o senso comum ditava na época (uma outra frase hedionda sua, esta pouca conhecida, é "Todo tímido é candidato a um crime sexual". E ninguém cita a frase "Sexo é para operário"). A idiotice maior é de quem repete essas besteiras como se fossem verdades indiscutíveis. O centenário de Nelson foi comemorado em agosto de 2012. Nelson morreu e foi enterrado em 1980. E você, qual é a sua desculpa?




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