Eleições nos EUA: sempre pode piorar
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Eleições nos EUA: sempre pode piorar


Por Antonio Luiz M. C. Costa, na revista CartaCapital:

O discurso de ódio da direita é patente desde a eleição de Barack Obama. Pode-se dizer, mesmo assim, que a pré-campanha republicana surpreende por uma exasperação capaz de passar o próprio Tea Party para trás. O discurso racista e nativista, cuja função inicial foi reforçar a tese do “Estado mínimo” ao acusar negros e imigrantes de explorar a classe média branca por meio da ação estatal, tornou-se um fim em si mesmo.

Um sintoma é a liderança de Donald Trump, bilionário nova-iorquino recém-chegado ao partido depois de ter apoiado os democratas por muitos anos e cujas propostas nada têm a ver com dogmatismo neoliberal, mas que supera os rivais na intolerância e nos insultos às minorias. Com 38% a 41% nas pesquisas mais recentes, está hoje bem à frente de qualquer rival republicano. Isso não o faz necessariamente o favorito, como se verá mais adiante.

Outro sintoma de radicalização é o derretimento de Jeb Bush, ex-governador da Flórida e irmão de George W. Relativamente moderado e com apoio da máquina partidária, era favorito no início da disputa, mas tem sido desdenhado pelos eleitores. Parece difícil virar o jogo quando se chega às vésperas das primárias com menos de 5% de preferências, tanto no país quanto no estado de Iowa, onde haverá o primeiro escrutínio em 1º de fevereiro. Chris Christie, governador de New Jersey que corre na mesma raia, tem cerca de 3%. Uma década de retórica da Fox News e comentaristas como Ann Coulter, Rush Limbaugh e Sean Hannity empurraram as bases republicanas à direita do próprio partido.

Ben Carson, neurocirurgião negro aposentado sem experiência política, chegou a disputar a liderança com Trump e ainda tem de 9% a 12% das preferências, mas seu momento passou. Entusiasmou os fundamentalistas pela defesa da moral tradicional e do criacionismo, mas não o suficiente para compensar o desconhecimento de questões militares, diplomáticas e de cultura geral, posto em evidência pelos debates sobre terrorismo após os atentados de Paris. Confundiu homus com Hamas, afirmou que as maciças pirâmides de Gizé eram silos de cereais e disse ser inconstitucional a eleição de um muçulmano nos EUA.

O cubano-americano Ted Cruz, senador texano que tem 15% das preferências no país e em Iowa empata com Trump com perto de 25%, é hoje o principal desafiante e talvez o real favorito. É um político de carreira querido tanto dos fundamentalistas cristãos quanto do Tea Party. Os mais notórios comentaristas de direita saíram em sua defesa quando Trump o qualificou de “um pouco maníaco” pelo dogmatismo na defesa das pautas conservadoras, especialmente o combate ao Obamacare, mas também por negar a existência do aquecimento global e criticar os acordos internacionais para combatê-lo. Apesar da origem étnica, é quase tão xenófobo quanto Trump. Defende barrar refugiados, expulsar imigrantes ilegais e bloquear fronteiras. E os multibilionários irmãos Koch, donos de empresas de energia e do maior fundo de campanha dos EUA (prometem contribuir com 889 milhões de dólares), deram-lhe o título de “herói da política climática”, ante meros “defensores” como Bush e Marco Rubio, “dubitativos” como Trump e Carson e “vilões” como Hillary Clinton e Bernie Sanders.

Rubio, outro cubano-americano, senador pela Flórida, também está bem posicionado, com 12% a 13% nas pesquisas nacionais e de Iowa. Talvez ainda mais importante, é bem-visto pelo establishment republicano, é um negociador pragmático e sua posição política está mais ou menos no centro do espectro político do partido, a meio caminho entre o “moderado” Bush e o “linha-dura” Cruz. Se tiver um desempenho satisfatório nas primárias e a convenção for disputada, poderia ser um candidato de conciliação, mesmo sem ser o mais votado.

Esta campanha é a primeira, desde 1948, na qual o Partido Republicano deve chegar à convenção sem um pré-candidato com maioria absoluta. Em um quadro de negociação entre proponentes e delegados, pragmatismo e contatos podem pesar mais que as pesquisas. O problema é Trump ter dinheiro e votos para ameaçar lançar-se como independente e dividir os votos conservadores. Ele prometeu acatar a convenção, mas, se conseguir mais delegados do que qualquer rival e for preterido, teria um pretexto para romper o acordo.

Comparável a Marine Le Pen e outros líderes da direita populista europeia quanto ao discurso, Trump, ao contrário destes, não construiu um partido. Quer apoderar-se de uma legenda existente para uma campanha personalista e demagógica com pouco a ver com as posições tradicionais dos republicanos e que não se encaixa em nenhuma de suas principais correntes, moderados, pragmáticos, fundamentalistas cristãos, libertarianos ou Tea Party.

Enquanto defende extremos de racismo, machismo e desprezo para com deficientes e “perdedores”, e defende propostas que fazem recuar até os conservadores mais empedernidos, como torturar terroristas e matar suas famílias simplesmente porque “merecem” e “fechar áreas da internet” para combater o Estado Islâmico, Trump é bem pouco religioso – apenas vagamente cristão, como a maioria dos estadunidenses – e do ponto de vista econômico está mais perto da ultradireita europeia do que da ortodoxia republicana.

Defende a proteção dos empregos dos EUA contra a livre concorrência das importações, o investimento estatal em infraestrutura e menos isenções de impostos para os super-ricos. Em termos de política externa, soa por vezes mais sensato que Hillary Clinton, como ao criticar o desperdício de 5 trilhões de dólares com intervenções desastrosas no Oriente Médio, quando o país necessita de investimentos em energia, transportes e comunicações. Mas também fala em empregar a força contra os programas nucleares do Irã e da Coreia do Norte, usar Israel como “nosso porta-aviões no Oriente Médio”, fazer o Iraque indenizar os EUA pelos gastos do Pentágono com a invasão e ocupação, e o México pagar pela muralha que supostamente barraria os imigrantes latino-americanos.

O núcleo de sua mensagem é “sou um de vocês, sou um líder e, se eu soube ficar rico, sei como lhes dar o que realmente querem, confiem em mim”. Funciona bem com muitos eleitores, mas muito mal no exterior. Subiu após sua inexequível e inconstitucional proposta de proibir a entrada de muçulmanos no país, mas foi criticado por Benjamin Netanyahu e teve de cancelar uma visita a Israel, no fim do ano, na qual pretendia visitar a Esplanada das Mesquitas ou Morro do Templo. Seria uma provocação inaceitável para os palestinos.

A pré-campanha presidencial dos democratas traz poucas surpresas. Clinton não corre risco real de perder a indicação. A fixação dos republicanos em procurar em seus e-mails alguma prova de tentativa da então secretária de Estado de manipular ou minimizar o atentado de 2012 contra o embaixador dos EUA na Líbia foi um fracasso. Esgotou o interesse do público antes de a campanha começar a sério e ofuscou o real escândalo, a própria decisão de intervir na Líbia e apoderar-se de seu petróleo. O resultado, como hoje se vê, foi reduzir ao caos o país de maior desenvolvimento humano da África, distribuir armas pesadas entre fundamentalistas do continente, impelir centenas de milhares de refugiados para a Europa e colocar nas mãos do Estado Islâmico e da Al-Qaeda partes consideráveis da Líbia, da Nigéria e do Mali.

Embora apoie políticas sociais, em termos de política externa e regulamentação econômica Hillary está na banda direita do espectro democrata e é mais belicosa e pró-Israel do que Obama. Isso agrada a Wall Street, ao complexo industrial-militar e ao lobby sionista e, provavelmente, atrairá independentes e conservadores moderados assustados com o extremismo da campanha republicana, mas também cobra um preço. Ela tem 55% das preferências dos eleitores democratas, mas Bernie Sanders, o pré-candidato mais à esquerda, foi além do esperado. Tem 32% no país e em Iowa as pesquisas indicam 48% a 39%.

Senador por Vermont, ex-deputado e ex-prefeito de 74 anos, Sanders fez uma respeitável carreira como político independente e o único socialista de expressão nacional desde o sindicalista Eugene Debs (morto em 1926) antes de se filiar ao Partido Democrata para concorrer pela indicação. Na prática, suas chances são nulas, mas sua capacidade de mobilização demonstra a existência de muitos insatisfeitos com a extrema concentração de renda e a indiferença dos principais candidatos a esse tema. Sua presença na campanha trouxe de volta o debate de temas hoje quase tabus na política dos EUA, como a redução da desigualdade e ampliação de direitos trabalhistas e sociais.

Está demasiadamente contra a corrente principal da mídia, da política e da opinião pública para conquistar uma maioria partidária, quanto mais nacional, no futuro previsível. A questão é se a parcela dos democratas que o apoia fará campanha pela belicosa e centrista Hillary. Desse ponto de vista, nada como um republicano extremista para motivá-los. Mais uma vez terão de escolher entre o ruim e o pior e a segunda alternativa pode se mostrar mais desastrosa do que nunca no atual quadro mundial de deterioração política, econômica e climática.




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