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Enigma
Passados estes dias sobre o polémico
discurso inaugural da Cavaco Silva, continua a ser um enigma saber qual foi o seu propósito.
Se era para desencadear uma ruptura política, ele deveria ter anunciado ato contínuo a dissolução da AR e a convocação de eleições antecipadas. Porém, Cavaco Silva bem sabe que neste momento elas poderiam não fornecer nenhuma solução de governo maioritário, sendo pior a emenda do que o soneto.
Se era para “convidar” o Governo a demitir-se, Cavaco Silva deveria saber que isso não está nos projectos nem no feitio de Sócrates. Enquanto entender que tem margem de manobra para governar, Sócrates não entregará as cartas nem fugirá às responsabilidades.
Se era para provocar os partidos da oposição a derrubarem o Governo mediante uma moção de censura, o Presidente deveria saber que dificilmente pode haver convergência dos partidos de oposição para esse efeito. Uma coisa é detestarem o Governo, outra coisa é fazerem uns aos outros o frete de o derrubarem.
Se era somente para deixar para a ata o seu próprio estado de alma, para mais tarde dizer "eu bem avisei", Cavaco Silva não poderia ignorar que o seu discurso só poderia ajudar a agravar a situação da dívida pública nacional, quer pelo descrição catastrofista da nossa situação económica, quer pela contestação sumária que faz das medidas de austeridade, quer pela insegurança criada pela simples perspectiva de uma crise governativa nos próximos tempos, com a incerteza política daí resultante.
Em suma, em vez de concorrer para a superação da crise da dívida pública e de ajudar à manutenção da necessária estabilidade política, o Presidente da República veio contribuir para agravar a primeira e enfraquecer a segunda.
Não havia necessidade!
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