ENSAIO SOBRE A BARBÁRIE
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ENSAIO SOBRE A BARBÁRIE


A primeira lembrança que me veio à mente ao ler as notícias do terrível caso dos estupros coletivos como presente de aniversário em Queimadas, Paraíba, foi um episódio que poucos sabem, porque não foi noticiado. Aconteceu, de verdade, há três anos e meio. Uma blogueira, depois de um mês saindo com um carinha que conheceu pela internet, aceitou o convite de ir com ele pra um churrasco. Chegando no lugar, ela foi amordaçada, amarrada, e estuprada por nove homens, todos amigos do carinha com quem ela estava saindo. Ela foi abandonada no local, ainda amarrada. Acordou três dias depois, fez barulho, o vizinho ouviu e chamou a polícia. Os criminosos foram presos rapidamente; ela foi parar no hospital, e se recuperou lentamente. Não tive mais notícias.
Ontem fui à faculdade e, no trajeto (a pé), eu estava tão revoltada com essa barbárie de Queimadas que briguei feio com um sujeito que não respeitou a faixa de pedestres. E isso que eu ainda não tinha lido outros detalhes do caso. Primeiro que já há dez suspeitos presos. Um deles é sobrinho do prefeito da cidade. Há indícios que os principais mentores (os irmãos, um deles o aniversariante) tinham sido assaltantes em capitais do Sudeste. E agora não são mais cinco as mulheres vítimas de estupro -– são seis. Mas o mais chocante é o que conta a delegada encarregada do caso: “Todos os homens que estavam no local sabiam do plano e iriam estuprar as outras. Eles só não estupraram todas que estavam na casa porque foram reconhecidos e decidiram executar as duas moças”. As sobreviventes da barbárie narram que os homens riam do seu desespero. Do seu choro. Elas estavam amordaçadas e vendadas.
Como puderam dez homens concordar com aquilo? Tudo foi premeditado, todos eles sabiam. E concordaram. E quiseram estuprar mulheres, como se fosse um programa qualquer de fim de semana. Não pode ser que eram todos psicopatas, mas eram todos homens. E o machismo que eles compartilham é psicopata, pois transforma mulheres em coisas e faz desaparecer qualquer traço de empatia. Aqueles dez homens (entre eles, três menores de idade) não tiveram pena de violentar mulheres, ou de matar duas delas. Eles não estão arrependidos do que fizeram, só de terem sido flagrados. Como é possível?
Talvez eu seja ingênua em fazer essa pergunta. Autores de distopias (as utopias negativas, os pesadelos) não têm a menor dúvida sobre o que aconteceria se o mundo acabasse, se chegasse o apocalipse. Em O Conto da Aia (prometo que escreverei mais sobre este livro único), de Margaret Atwood, as mulheres são transformadas em prisioneiras e receptáculos de esperma. Só. No mundo que não produz mais alimentos retratado por A Estrada, de Cormac McCarthy, mulheres e crianças são literalmente comidas pelos homens. Em pouquíssimo tempo, elas já estão praticamente extintas.
E claro que, depois de pensar na blogueira estuprada por nove homens, a segunda coisa que me veio à cabeça ao ouvir sobre a barbárie de Queimadas foi o estupro coletivo de Ensaio sobre a Cegueira. No romance de José Saramago, as pessoas são tomadas por uma cegueira branca e confinadas, para que a epidemia não se espalhe. Os cegos de uma ala toda masculina conseguem recolher toda a comida que chega ao sanatório. Para reparti-la com as demais alas, eles exigem poder estuprar as mulheres. É assim que é narrada a chegada de sete mulheres à ala masculina na primeira noite do estupro:
Já aí vêm, já aí vêm. De dentro saíram gritos, relinchos, risadas. […] Os cegos rodearam-nas, tentavam apalpá-las, mas recuaram logo, aos tropeções, quando o chefe, o que tinha a pistola, gritou, O primeiro a escolher sou eu, já sabem. […] Os cegos relincharam, deram patadas no chão, Vamos a elas que se faz tarde, berraram alguns […] Puxou para si as duas mulheres, quase se babava quando disse, Fico com estas, depois de as despachar passo-as a vocês. […] As mulheres, todas elas, já estavam a gritar, ouviam-se golpes, bofetadas, ordens, Calem-se, suas putas, estas gajas são todas iguais, sempre têm de pôr-se aos berros, Dá-lhe com força, que se calará”.
Uma das sete mulheres não retorna a sua ala com vida. E, quatro dias depois, quando os cegos vão avisar as mulheres que elas terão que voltar lá para “pagar mais impostos” em troca de comida, a narração aponta: “Do fundo da camarata, a mulher do médico disse, Já não somos sete, Fugiu alguma, perguntou a rir um do grupo, Não fugiu, morreu”.
A semelhança entre Ensaio sobre a Cegueira e a barbárie de Queimadas é assustadora. Mas uma é ficção, a outra é real. E apenas uma trata de um cenário apocalíptico de total desintegração da sociedade. Ou não.




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