Por Altamiro BorgesEm plebiscito histórico realizado nesta quinta-feira (18), a maioria dos eleitores escoceses votou pela permanência do país como território britânico. Até o final da noite, a apuração apontava 54% dos votos pelo “não”, contra o fim da união com os ingleses que vigora há 307 anos. Mais de 3,5 milhões de escoceses (85% dos aptos a votar, um índice recorde) participaram da votação. O primeiro-ministro britânico, o conservador David Cameron, elogiou o movimento “Melhor Juntos” pelo resultado. Ele deveria ter parabenizado, também, a imprensa britânica, que se portou como autêntica mídia imperial. Ela fez campanha ostensiva contra a independência e abandonou qualquer isenção ou pluralidade na cobertura do plebiscito.
Vários impressos, como “Guardian”, “Daily Mail”, “Daily Mirror” e “Financial Times”, fizeram terrorismo contra o voto no “sim”. Alardearam que a independência arruinaria as economias da Escócia e da Inglaterra, que a divisão do Reino Unido teria impactos na geopolítica da Europa e até que o fim da união levaria ao fortalecimento de ideias ultrapassadas, nacionalistas. Mesmo a emissora pública de televisão, a BBC, abandonou a isenção e pregou o voto no “não” – o que gerou protestos contra o veículo em várias cidades escocesas. Segundo Nelson de Sá, especialista em mídia da Folha, o plebiscito derrotou o jornalismo. “A imprensa de Londres desta vez foi unânime, sem uma voz sequer pela independência”.
O resultado do plebiscito agora é festejado pelos barões da mídia e serve de alívio temporário para a elite britânica. O Partido Conservador, de David Cameron, não entrará para a histórica como culpado pela cisão do império britânico e, aparentemente, afasta o risco da pressão pela renúncia do primeiro-ministro. Já o Partido Trabalhista, liderado por Ed Miliband, manterá a sua base parlamentar – ele conta com 44 deputados dos 59 eleitos na Escócia –, indispensável para manter o projeto de retornar ao poder nas eleições gerais de 2015. O plebiscito, porém, mostrou o grau de descontentamento dos escoceses com o império britânico. A pressão por mais autonomia ganhará força no próximo período.
Os escoceses reclamam que são explorados e oprimidos pela elite inglesa. No triste reinado de Margaret Thatcher, a Escócia foi o laboratório do remédio destrutivo e regressivo do neoliberalismo, o que resultou em recordes de desemprego e na retirada de direitos sociais. A partir desta trágica experiência, um slogan nacionalista ganhou força: “Nunca mais um governo conservador”. Os trabalhistas ganharam confiança, elegeram fortes bancadas, mas nunca enfrentaram a herança maldita, sempre optaram pela conciliação. A “terceira via” foi uma total decepção. O plebiscito indica que os escoceses estão cansados das falsas promessas e desejam mudanças mais profundas no Reino Unido.
A burguesia inglesa será forçada a ceder os anéis para manter os dedos. Numa eventual independência, a Escócia levaria um terço do território britânico, 5,3 milhões de pessoas (8% da população) e quase 10% do Produto Interno Bruto (PIB). As águas escocesas possuem 90% das reservas petrolíferas do Reino Unido, estimadas de 16 bilhões a 24 bilhões de barris. Há muitos interesses em jogo neste embate!
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