Esse artigo é parecido com a plataforma do candidato republicano, John McCain (embora McCain adapte seu discurso ao que seus eleitores desejam ouvir). A julgar pelos quase dois mil comentários deixados por leitores na coluna do O'Reilly, os conservadores não estão felizes com essas soluções paliativas. Pra começar, por serem de direita, acham que governo (mesmo governos de direita, como o do Bush) só atrapalha, e não toleram qualquer crítica às empresas privadas – neste caso, às petrolíferas americanas. “É claro que elas devem ter lucro”, reclama um leitor indignado. Outro insiste: “Não precisamos de alternativas pro petróleo”.
A maior parte repete os slogans de um abaixo-assinado orquestrado pelo ultra-conservador Newt Gingrich, chamado “Drill here, drill now, pay less” (“Perfure aqui, perfure agora, pague menos”). Essa petição quer que os EUA comecem a explorar petróleo imediatamente no Alasca, no Texas e até na Califórnia, apesar dos sérios riscos ambientais. A culpa por não haver mais poços em solo americano é dos “ambientalistas fascistas”. Ou seja, nada de reduzir o consumo ou importar alcóol do Brasil. Porque acabar com a crise do petróleo se faz assim, por decreto. Gingrich escreve num artigo:“governos são criados para assegurar aos cidadãos os direitos dados por Deus, não para dar-lhes seus direitos. No dia 4 de julho, vamos todos recordar o que Ronald Reagan nos disse - que somos uma nação com um governo, não o contrário”.
Quando esse discurso aflora, vem à tona toda uma conversa golpista que a gente pensava não combinar com a mentalidade americana (a menos que fosse pra apoiar golpes de Estado em outros países). Por exemplo, entre os comentaristas do artigo do O'Reilly, há vários que dizem “Temos que fechar o congresso e o senado dos EUA”.
Ann Coulter, outro símbolo da direita, tem uma sugestão mais rápida pra resolver a crise: “Vamos invadir os países deles, matar todos os seus líderes e forçá-los a se converter ao Cristianismo”. Ela vem repetindo esse mantra desde 11 de Setembro, mas com o alto preço do petróleo uma idéia fascista dessas ganha força, como se vê entre os leitores do O'Reilly: “Deveríamos jogar uma bomba nuclear [nos árabes] e depois pegar todo o petróleo”. Ou: “Precisamos parar com toda a ajuda ao exterior. Vamos deixar que eles comam areia e bebam petróleo. Aí vão baixar os preços”.
Esses comentários são representativos do complexo de superioridade que muitos (mas não todos) americanos sofrem. É uma visão de que o mundo é que tem que se adaptar a eles, e nunca o contrário, já que mudar qualquer coisa no American way of life equivale a dizer pros terroristas “vocês ganharam”.
Com o preço do galão a 4 dólares, muita gente está deixando o carro em casa e pegando transporte coletivo. O problema é que a América não é um país que investe em ônibus e metrô. Toda vez que há congestionamentos, a solução é simples: construir novas estradas. Nunca incentivar o pessoal a andar de ônibus. Não é só aqui em Detroit que o transporte coletivo é ruim. Estivemos em Chicago e Washington e sentimos a mesma coisa (em Nova York praticamente só andamos em Manhattan). Tem pouco ônibus que vai até os subúrbios, onde mora a maior parte da população. As linhas e os horários são limitadíssimos. Agora, quando mais se precisa do transporte coletivo, ele vem sendo cortado. Afinal, o custo da gasolina não aumentou apenas para os carrões que circulam – aumentou para os ônibus também. Um ótimo documentário que vi, The End of Suburbia (sobre o qual preciso escrever mais), estima que, com a crise do petróleo, que veio pra ficar, os subúrbios americanos terão de ser abandonados. Não haverá como as pessoas chegarem nesses bairros mais afastados. O resultado será bilhões de dólares jogados ao lixo. Todo o investimento de décadas feito nos subúrbios (geralmente só gente mais pobre mora no centro) pode ir pro ralo. E o que teremos em breve, por todo o país, é o que vemos em Detroit: casas e prédios abandonados, às traças, caindo aos pedaços. Se os EUA não criarem alternativas ao petróleo, esse cenário parece inevitável.