EUA, Europa e a hora da economia real
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EUA, Europa e a hora da economia real


Por Mauro Santayana, em seu blog:

A crise no Ocidente, com suas conseqüências para a bolsa no Brasil, não se origina apenas do fato – lição que deveria ser aprendida de uma vez por todas pelos brasileiros que adoram se abaixar para a Europa e os Estados Unidos - de que os países ditos “desenvolvidos” não são, na verdade, tão avançados assim.



Ou da constatação, derivada do mais comezinho bom senso, de que não é possível que os Estados Unidos continuem financiando ininterruptamente suas guerras, ao custo de 35 bilhões de dólares por semana apenas no front do Afeganistão e do Iraque, sem conseqüências para sua economia.

Também desafia a razão e a justiça, que um quarto da população mundial usufruísse, durante décadas, de padrões de vida e de consumo absurdamente altos com relação ao restante da humanidade, sem dispor, para isso, dos recursos naturais necessários.

Assim como ofendia a ordem natural das coisas, que países como Portugal e a Espanha, miseráveis e agrários até os anos 1970, aqui aparecessem, menos de 20 anos depois, e comprassem – com a prestimosa colaboração de entreguistas locais – setores inteiros de nossa economia. E que executivos de países reconhecidos pelo seu óleo de oliva, bacalhau, sardinha, vinho e azeitona, de repente viessem pavonear no Brasil sua “excelência” em finanças, energia ou telecomunicações.

Quando não foi o próprio BNDES que financiou a entrega de nossas empresas – como aconteceu com a Eletropaulo no governo FHC - o dinheiro que chegou de fora nos anos noventa teve origem, como estamos constatando agora, em economias irrigadas a fundo perdido com recursos da Comunidade Européia e por uma verdadeira indústria de títulos soberanos.

Essas sucessivas gerações de papagaios, emitidas a juros artificialmente baixos, terão que ser resgatadas agora, a não ser que a fantasia continue, com a contínua emissão de “moeda” e a compra ad infinitum de títulos espanhóis, portugueses, italianos, gregos e irlandeses pelo Banco Central Europeu.

A verdade é que, qualquer que seja a saída para a crise, a credibilidade da Europa e dos Estados Unidos se esvaiu.

Depois de um longo verão que durou muitas décadas, as cigarras não conseguirão mais enganar as formigas, com o seu canto sobre a superioridade da civilização branca e ocidental.

Enquanto a Europa – os espanhóis, por exemplo, acreditaram durante anos na ficção aznariana, depois herdada por Zapatero, de que eram a oitava economia do mundo e que iriam entrar pro G-8 – dormia sobre a reconquista neoliberal dos anos noventa, sem perceber que o euro era, literalmente, um tigre de papel, o Brasil, a Rússia, a Índia e a China, estabeleciam, pacientemente, nos últimos dez anos, um novo mundo, obrigando o G-7 a aceitar a criação e a sua substituição, de fato, pelo G-20, e fundando o BRIC.

Investindo na economia real, resgatando milhões de pessoas da miséria, apostando em seus mercados internos e economizando parcimoniosamente seus recursos, o BRIC tem, hoje, três vezes mais reservas internacionais que o G-7, e controla 70% dos títulos norte-americanos em poder de países estrangeiros.

Graças à mudança, adotada a partir do Governo Lula, na orientação das relações com o antigo Primeiro Mundo, privilegiando uma posição mais digna e soberana, o Brasil não deve, hoje, um tostão ao Clube de Paris ou ao Fundo Monetário Internacional, é um dos principais países no “board” do FMI, do qual é credor em mais de 15 bilhões de dólares, e o quarto maior credor externo dos Estados Unidos e – para usar um meio de avaliação tipicamente capitalista - tem um risco-país menor que o norte-americano.

Empresas indianas e chinesas – poderíamos estar fazendo o mesmo, ou em maior proporção, se o altruísmo dos nossos defensores do “livre mercado” deixasse o BNDES trabalhar em paz – estão comprando companhias norte-americanas e européias em grande quantidade, depois de assegurar a maior fatia de seus mercados internos e fontes de matéria-prima como fatores estratégicos para a sua sobrevivência futura.

Afinal, para um cidadão de classe média de Xanghai ou Nova Delhi, é inconcebível ter seu mercado de telecomunicações controlado por espanhóis ou portugueses ou viver sem uma marca nacional de automóveis.

Para o brasileiro médio, ao contrário, isso é natural. Talvez por isso, nossos carros do mesmo modelo e da mesma marca sejam mais caros aqui do que em outros países, ou estejamos pagando as tarifas mais altas do mundo de internet e telefonia celular.

Acho que o melhor caminho para o Brasil nesse momento seria transformar a crise em uma oportunidade para aprofundar ainda mais o seu distanciamento do capitalismo imprevidente e estéril que criou a grande ilusão européia dos últimos anos e trabalhar, cada vez mais, dentro da economia real.

Precisamos investir cada vez mais na produção e cada vez menos na especulação financeira. Cada vez mais no mercado interno, via melhoria da renda, e aumento no número de empregos, e menos nos mercados externos. E, no exterior, precisamos investir cada vez mais nas relações sul-sul e com o BRIC, exigindo relações de troca mais justas de nossos grandes parceiros como a China.

Investir na economia real, no Brasil, implica em nos livrarmos dos fantasmas que, uivando e arrastando correntes, impedem o avanço do Brasil.

O Banco Central poderia começar fazendo um grande favor à sociedade brasileira, suspendendo indefinidamente a publicação do Boletim Focus já a partir da próxima edição.

Com isso, o Brasil se livraria de um particular Oráculo de Hades, cujos “analistas”, representativos do “mercado” além de não acertar um prognóstico nos últimos anos, tem se dedicado permanentemente a sabotar o crescimento econômico quando não a justificar, e mais, incentivar, a manutenção dos juros da SELIC como os mais altos do mundo.

Outra providência que o Governo poderia tomar agora - é claro que o “mercado” não deixaria isso acontecer - seria estabelecer um piso para a queda do Bovespa e investir parte das reservas internacionais na compra de ações de empresas nacionais estratégicas, cotadas na Bolsa de São Paulo.

Com isso, poderia se evitar o derretimento da Bovespa, trazendo de volta os investidores, ao mesmo tempo em que se aumentaria - mesmo que para venda futura com razoável ganho - a participação acionária do governo em companhias do porte da Vale, da Braskem e da Petrobras.

Finalmente, a terceira providência, a ser tomada por nós, ou em conjunto com a China e a Índia – eventualmente depois da intervenção positiva do governo na Bovespa - seria fazer uma ampla campanha internacional de oportunidade, neste momento de quebra de paradigmas e de crepúsculo dos deuses e em que a crise atinge tão duramente o Ocidente, chamando os investidores estrangeiros a apostar no BRIC.

Finalmente, com relação ao caso brasileiro, nunca é demais lembrar que, em uma crise, a grande vantagem de se trabalhar com commodities é que o mercado global não pode viver sem elas.

Enquanto a capacidade de consumo de sua população de mais de um terço da Humanidade continuar crescendo - mesmo que haja momentânea diminuição da demanda externa por seus produtos e serviços - China e Índia continuarão a comprar nossos produtos.

Assim como boa parte do mundo.




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