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Europa fortaleza, versão «hard core»
Ceuta e Melilla nos útimos dias são mais trágicas demonstrações da profunda crise que grassa no sistema de protecção de refugiados na Europa. Como se a Europa tivesse perdido a memória de quando esse sistema nasceu, com a Convenção da ONU para os Refugiados em 1951. Porque resultou do sofrimento de outros refugiados e emigrantes pobres. Europeus. Escapados ou escapando-se aos horrores da II Guerra Mundial.
Ceuta e Melilla desafiam todos os países europeus, não apenas a Espanha dos muros de arame farpado ou a Itália do campo de concentração de Lampedusa. Desafiam-nos a decidir se os princípios e valores mais básicos de Direitos Humanos são de facto para aplicar e fazer respeitar. Porque são esses principíos que deviam informar as politicas de asilo e imigração da UE e de todos os seus Estados Membros.
Como pode a UE pedir a outros paises que aceitem e tratem dignamente gente que os seus próprios Membros não estão preparados para aceitar e tratar com dignidade ? Como pode a UE pedir a terceiros países que matraqueiem e rechaçem gente para poupar a autoridades europeias sujar as mãos ?
Onde está a Comissão, guardiã dos Tratados e dos mais básicos valores e princípios europeus ? Para fazer ver aos governos e cidadãos europeus como uma atitude defensiva se pode voltar contra eles próprios, além de enterrar a Europa.
Na próxima semana reune o Conselho de Ministros da Justiça e Assuntos Internos da UE. É essencial não baixar a fasquia em matéria de direitos humanos dos refugiados e candidatos a asilo político. Portugal, com migrantes económicos espalhados pelo mundo inteiro e tantos exilados políticos durante décadas, não pode alinhar no Conselho JAI com políticas defensivas de vistas curtas e desmesurada crueldade. Um ex-Primeiro Ministro português é actualmente Alto-Comissário da ONU para os Refugiados e outro é Presidente da Comissão Europeia.
O Primeiro-Ministro de Portugal ainda há dias prometia a um ditador africano empenhar-se para promover uma Cimeira Europa-África: pois bem pode agora mostrar que se move por mais do que por cifrões e que o preocupam realmente os africanos e as africanas que aspiram a ter uma vida decente.
Não se trata de escancarar as portas da Europa (e mesmo se todas as praias do sul da Europa fossem cercadas de arame farpado, muitas «bateras» continuariam a penetrar). A Europa precisa de ir às causas profundas que impelem tantos desesperados a fugir da doença, da pobreza, da corrupção, da repressão, da guerra, da mutilação, da escravatura que arrasam África. Ceuta e Melilla demonstram fragorosamente o fracasso da Cooperação para o Desenvolvimento, tal como tem sido praticada. É preciso mudar as condições que fazem tanta gente fugir de África. É preciso repensar a política europeia para África. Apoiar marionetas, empresários e governantes corruptos, violadores dos direitos humanos, traficantes de armas, espoliadores de recursos naturais, dá nisto: milhares de africanos tão desesperados que nem temem a crucificação em arame fardado; e a UE a projectar a imagem da «fortaleza Europa», versão «hard core». Porque de cada vez que for baleado ou esfacelado um africano no muro hispano-marroquino, é a Europa inteira que fica ferida de morte.
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