Por Venício A. de Lima, no Observatório da Imprensa:
Em fevereiro de 2009, dois anos depois da desativação deliberada e ilegal do Conselho de Comunicação Social (CCS), escrevi neste Observatório artigo com o título “Por que o CCS não será reinstalado” no qual cometi erro primário de avaliação: subestimei a capacidade ilimitada de velhas “raposas políticas” brasileiras de se reinventarem na burla das reais intenções da lei em benefício próprio.
A aprovação pelo Congresso Nacional – na noite de terça-feira (17/7) – da nova composição do CCS, previsto no artigo 224 da Constituição e regulamentado pela Lei nº 8.389/1991, é o último exemplo de mais um desses casos.
Reivindicado por movimentos sociais e pela Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito a Comunicação com Participação Popular (Frentecom), que reúne 194 deputados federais e mais de 100 entidades da sociedade civil, a nova composição do CCS foi aprovada em sessão às vésperas do recesso parlamentar, convocada com um único ponto de pauta – o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias – sem qualquer discussão e sem o conhecimento da maioria dos parlamentares. [Ver aqui a composição e vínculos dos integrantes do novo CCS.]
Indignada, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP), coordenadora da Frentecom, afirmou:
“Lamentavelmente, depois de seis anos, o Conselho ressurge da forma mais autoritária, unilateral e ilegítima que se poderia esperar. Numa sessão do Congresso, embutiram entre as matérias extra pauta a aprovação de nomes estranhos aos segmentos que lutam por essa causa e ficamos perplexos” (ver aqui).
As regras do jogo
O § 2º do artigo 4º da Lei nº 8.389/1991 reza:
§ 2° Os membros do conselho e seus respectivos suplentes serão eleitos em sessão conjunta do Congresso Nacional, podendo as entidades representativas dos setores mencionados nos incisos I a IX deste artigo sugerir nomes à mesa do Congresso Nacional.
Não há, portanto, obrigatoriedade do Congresso Nacional de escolher nomes “sugeridos” por entidades representativas dos diferentes setores e da sociedade civil organizada que devem fazer parte do CCS.
O “espírito” da lei, todavia, por óbvio, é de que sejam eleitos nomes com algum vínculo efetivo com as entidades e com a sociedade civil organizada. Quando esses nomes, todavia, indicam a possibilidade de que eventuais ações futuras do CCS possam contrariar interesses dos atores dominantes no setor de comunicações, eles são ignorados por quem tem o poder de facto de conduzir o processo.
Foi exatamente o que aconteceu.
Ofício da Frentecom indicando sete nomes para ocupar as cinco vagas de representantes da sociedade civil (inciso IX do artigo 4º), resultado de ampla consulta realizada junto a 105 entidades, protocolado na Presidência do Senado em 8 de fevereiro de 2012, não mereceu sequer resposta. (Um dos sete nomes indicados aparece na relação de membros eleitos como representante da categoria profissional dos jornalistas.)
Tanto a Frentecom como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) emitiram notas públicas de repúdio à forma pela qual o Congresso Nacional procedeu à eleição dos novos membros do CCS [ver abaixo a íntegra das notas].
Improbidade administrativa
O que teria levado o presidente do Congresso Nacional, senador José Sarney (PMDB-AP), depois de quase seis anos, a colocar em votação, de forma inesperada e antidemocrática, a escolha de novos membros do CCS?
Duas notas publicadas na coluna “Rosa dos Ventos”, assinada por Maurício Dias na revista CartaCapital(nº 706, data de capa de 18/7/2012), talvez contenham a explicação. Está lá:
Crimes de conduta - I
Faz um ano que Fábio Konder Comparato enviou representação ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, contra o presidente do Congresso Nacional, José Sarney, por não eleger os membros do Conselho de Comunicação Social desde 2006.
Gurgel, a exemplo de Sarney, sentou em cima em vexaminoso gesto de desrespeito à sociedade e, também, a um dos mais notáveis advogados brasileiros. Ou essas referências não importam a esses dois senhores?
Crimes de conduta - II
Comparato desdenha sobre ele próprio e prefere constatar aborrecido para, em seguida, ironizar: “O presidente do Congresso Nacional está em mora de convocar eleição para o preenchimento dos cargos naquele Conselho. Terá esquecido esse seu dever de ofício? Nenhum assessor o advertiu a respeito?”
Sarney e Gurgel incorrem em atos de deslavada improbidade administrativa.
Aparentemente, o risco concreto de ser processado por improbidade administrativa teria obrigado o presidente do Congresso, finalmente, a agir.
Ademais, permanecem válidas observações que fiz ao final do artigo acima mencionado, publicado em 10 de fevereiro de 2009:
“O Congresso Nacional e, sobretudo, o Senado Federal abriga um grande número de parlamentares que têm vínculos diretos com as concessões de rádio e televisão. O CCS é um órgão que – mesmo sendo apenas auxiliar – pode discutir questões que ameacem os interesses particulares desses parlamentares e dos empresários de comunicação, seus aliados. (...)
“A recondução de José Sarney (PMDB-AP) à presidência do Senado Federal e, portanto, do Congresso Nacional, não deixa dúvidas sobre o futuro próximo não só do CCS, mas de projetos no interesse da democratização das comunicações. Além de ser o exemplo emblemático do ‘coronel eletrônico’, José Sarney já reconheceu publicamente que é concessionário (de rádio e televisão) por motivos políticos: ‘Se não fossemos políticos, não teríamos necessidade de ter meios de comunicação’, afirmou numa entrevista à revista CartaCapital (...)
Registre-se ainda que o cenário existente no Congresso Nacional se reproduz nas assembleias estaduais e justifica, em boa parte, as imensas dificuldades para instalação dos conselhos estaduais de comunicação, até hoje só existente na Bahia, apesar de estar previsto há décadas em pelo menos dez constituições estaduais e na Lei Orgânica do Distrito Federal (ver “Conselhos Estaduais de Comunicação – Onde estamos e para onde vamos”).
O que fazer?
A explicação para o poder que a grande mídia ainda consegue articular em torno de si mesma talvez decorra do fato de seus interesses estarem de tal forma imbricados com aqueles de setores empresariais e das oligarquias políticas – locais, regionais e nacionais – que permanecem intocáveis.
Há, todavia, um importante fenômeno acontecendo em nosso país. Escrevi, um ano atrás:
“O que a grande mídia não consegue mais controlar é o aumento da consciência sobre a importância do direito à comunicação nas sociedades contemporâneas. (...). Para além do entretenimento culturalmente arraigado – simbolizado pelas novelas e pelo futebol – cada dia que passa, aumenta o número de brasileiros que se dão conta do imenso poder que ainda está nas mãos daqueles que controlam a grande mídia e que, historicamente, sonega e esconde as vozes e os interesses de milhões de outros brasileiros” (ver “As mudanças virão das ruas”).
Está no caminho certo o FNDC, que prepara uma Campanha Nacional em Defesa da Liberdade de Expressão para Todos, a ser lançada ainda em 2012,com o objetivo de conscientizar e mobilizar a população brasileira em torno do direito à comunicação (ver aqui).
Na Terra de Santa Cruz, as mudanças no setor de comunicações só acontecerão se partirem das ruas.
A ver.
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Nota da Frentecom
Frentecom repudia método de composição do Conselho de Comunicação Social
A Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito a Comunicação com Participação Popular (Frentecom) recebeu, na manhã de hoje, com estranheza e perplexidade a informação de que o Congresso Nacional aprovou na sessão de ontem (17/7) a nova composição do Conselho de Comunicação Social (CCS), desativado há quase 6 anos por omissão da Presidência do Congresso.
A votação dessa matéria se deu numa sessão do Congresso convocada com um único ponto de pauta, ou seja, o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, às vésperas do recesso parlamentar. O item sobre o CCS deve ter sido incluído como extra-pauta, sem discussão e à revelia da maioria dos parlamentares, provavelmente com o conhecimento apenas dos líderes de bancada presentes à referida sessão.
Considerando tratar-se de uma questão de grande interesse da sociedade e que consta da agenda de trabalho da Frentecom que, inclusive, encaminhou em fevereiro de 2012 ao Presidente do Senado indicação de nomes da sociedade civil para compor o conselho, sem ser atendido, manifestamos nosso veemente repúdio pela forma desrespeitosa e antidemocrática como o Presidente do Senado tratou, neste caso, os parlamentares e representantes de mais de cem entidades da sociedade civil que integram a Frentecom.
A Frentecom reitera o firme compromisso de continuar lutando por um CCS plural e representativo que corresponda aos reais anseios democráticos da sociedade brasileira, esperando contar com o apoio das senhoras e senhores Parlamentares para reverter esse grave equívoco do Congresso Nacional.
Brasília, 18 de julho de 2012
Dep. Luiza Erundina de Sousa / Coordenadora da Frentecom
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Nota do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC)
O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) recebeu com surpresa a notícia da reativação do Conselho de Comunicação Social (CCS), e vem a público manifestar seu repúdio e indignação quanto à nomeação antidemocrática e preconceituosa realizada pelo Congresso Nacional.
A inclusão do Conselho de Comunicação na Constituição Federal de 1988 foi fruto tanto da luta política e da mobilização de diversos segmentos sociais quanto da articulação da sociedade com o Parlamento, fato que não se repetiu agora quando da composição do Conselho. Não houve diálogo sequer com a Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação, subscrita por mais de 180 parlamentares, com forte representação da sociedade civil, que no ano passado encaminhou sugestões para a composição.
O CCS foi regulamentado em 1991, mas só teve sua primeira indicação em 2002, e estava parado desde 2006, numa interrupção ilegal e inconstitucional. Embora tenha caráter consultivo, ele pode cumprir papel importante de fomentar debates sobre os temas da comunicação social, e servir como impulso para o Congresso regulamentar os artigos constitucionais sobre comunicação que estão há 24 anos sem definição legal – como o que proíbe monopólios e oligopólios e o que aponta para a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal.
Contudo, as indicações realizadas na reativação do CCS foram completamente arbitrárias, sem diálogo com a sociedade civil organizada com atuação no campo, que foi atropelada justamente no momento em que busca contribuir com o avanço da democratização da comunicação e com a efetiva liberdade de expressão para todos e todas. A demonstração do nosso acúmulo e compromisso se dá cotidianamente para quem acompanha a pauta, e foi mais do que comprovada durante a I Conferência Nacional da Comunicação (Confecom), realizada em 2009 e praticamente ignorada pelo Congresso Nacional, com honrosas exceções.
Nas vagas fixas reservadas a trabalhadores, foram mantidos representantes de entidades do movimento, como a Fenaj, mas a indicação dos radialistas se deu sem diálogo com a atual gestão da Fitert e a dos artistas privilegiou um único sindicato, com forte ligação com o setor patronal, em detrimento da associação nacional.
Já nas indicações das cadeiras da sociedade civil foram privilegiados setores conservadores (inclusive empresários do setor) e ligados às igrejas, com claro favorecimento a cidadãos com relações pessoais com o presidente do Congresso Nacional. A exceção positiva foi a indicação de pessoas com ligação com a pauta da cultura digital, que ainda assim não contempla as perspectivas do movimento pela democratização da comunicação.
Além destas incoerências, é grave a constatação de que todos os 13 nomes indicados para a titularidade da representação são de homens, desprezando a diversidade e a pluralidade da sociedade ao alijar completamente a participação feminina, algo inadmissível para a construção de uma sociedade democrática.
Um Conselho que deveria servir para auxiliar o Parlamento, e que reúne entre suas funções avaliar questões ligadas à liberdade de manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação, além de emitir pareceres e recomendações ligadas à produção e programação de emissoras de rádio e televisão, não deve – e não pode jamais – prescindir da participação de uma representação coerente da sociedade civil à altura de tão complexas e estratégicas responsabilidades.
Conclamamos os nobres parlamentares a desfazerem esse grave erro e reabrirem o diálogo. Este tipo de prática arbitrária afronta os direitos do povo brasileiro e afeta o caráter democrático do Conselho. [18/7/2012]
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