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Falsos democratas e o golpe no Paraguai
Por Paulo Moreira Leite, na coluna Vamos combinar:
Estou espantado com a relativa naturalidade com que as pessoas receberem o golpe que derrubou Fernando Lugo. Em 2009, a queda de Zelaya, em Honduras, gerou mais reações, debates, polêmicas. Agora, os falsos democratas perderam o pudor.
O Departamento de Estado americano, que chegou a condenar a deposição de Zelaya e mais tarde mudou de ideia, já se manifestou para elogiar o comportamento pacífico da população paraguaia. O governo alemão de Angela Merkel já deu declarações apaziaguadoras.
Jornais brasileiros dizem que a falta de resistência da população ao novo governo dá legitimidade à queda de Lugo.
O governo brasileiro condenou o golpe e os governos da Unasul também.
Mas estranho o silêncio das oposições, dentro e fora do Brasil. Acham tudo normal?
Essa postura contribui para dar um ar natural a deposição de um presidente eleito, que ainda possuía 14 meses de mandato pela frente.
Entre os protestos, cabe registar a reação de Porfírio Lobo. Sucessor de Zelaya em Honduras, até ele definiu a queda de Lugo como uma “ferida na democracia.”
A queda de Lugo mostra, em primeiro lugar, que os falsos democratas estão onde sempre estiveram.
Lugo não foi deposto porque fazia um mau governo. Se fosse assim, francamente, o que dizer de absolutamente todos seus antecessores?
Lugo foi deposto porque, com acertos e erros, fazia um governo que a oligarquia não era capaz de manter sob rédea curta. Não era um chavista, como Zelaya.
Fazia um governo independente em relação às oligarquias, como nunca se viu no Paraguai. Já foi razão suficiente para ser deposto.
A tese de que a queda de Lugo não foi um golpe porque teve apoio de uma maioria folgada do Congresso não resiste a uma observação elementar. O regime paraguaio não é parlamentarista, onde os governos caem quando ficam em minoria.
É um regime presidencialista. Por este sistema, cabe ao povo escolher, de forma soberana, seus governantes. O Congresso tem autoridade para destituir um presidente mas isso só pode ser feito sem ferir a soberania do voto popular.
Não basta ter a maioria de votos em plenário. É preciso julgar o presidente, dar a chance de defesa, cobrar acusações precisas. Este é o espírito da coisa.
Mas nem a Polícia foi ouvida para apurar as denúncias contra Lugo. A Justiça não examinou as queixas de sua defesa. E este curso inacreditável recebe o aplauso de comentaristas menos inibidos e o silêncio de cúmplices mais acanhados.
Não custa lembrar que a defesa de Lugo teve o tempo ridículo de duas horas para se manifestar contra acusações vagas, genéricas e imprecisas. Nenhuma das 5 “denúncias” de bolso de colete apresentadas contra Lugo foi demonstrada de forma irretorquível por seus adversários. Aliás, eles nem estavam preocupados com isso, porque já tinham os votos garantidos.
A segunda questão é que surtos golpistas costumam ser contagiosos – e isso torna a reação bondosa diante da deposição de Lugo mais preocupante.
Imagine que já tem gente fazendo aquele teste imoral a favor e contra pela internet.
Por enquanto, o placar era de condenação. Mas, se der a favor, o que acontece? Muda alguma coisa?
A história do ciclo militar latino-americano dos anos 60 começou com um golpe no Peru. Foi assim: um candidato de esquerda iria ganhar as eleições até que uma intervenção militar impediu que o pleito fosse realizado na data correta.
Quando as eleições ocorreram, após pressão internacional, o ambiente político do país havia mudado e um candidato conservador foi vitorioso. Depois do Peru, ocorreram duas intervenções militares na Guatemala e na Republica Dominicana.
Nesses dois lugares, Washington temia a consolidação de governos de esquerda e ajudou militares dispostos a derrubá-los.
Foi nesse ambiente que John Kennedy e o embaixador Lincoln Gordon discutiram, em 1962, como apoiar o movimento militar que derrubou João Goulart, em 1964. Um assessor de Kennedy, Richard Goodwin, estava presente ao encontro.
Quando o presidente americano começou a demonstrar um certo pudor em apoiar o golpe de forma descarada, Goodwin reagiu de forma irritada. Lembrou que a Casa Branca deveria deixar sua posição de forma clara, sob o risco de desmotivar os golpistas. Na prática, o assessor estava dizendo algo parecido a “vamos deixar de frescura, presidente.”
Não é preciso tentar adivinhar o futuro e encontrar indícios de rupturas democráticas aqui e ali. Mas muita gente resolveu “deixar de frescura,” concorda?
Basta reparar que, na queda de Lugo, um considerável número de vozes conservadoras já demonstrou menos pudor em relação aos rituais democráticos. Foi apoio direto, na lata.
E isso é péssimo, concorda?
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