Por Altamiro BorgesO programa Fantástico, exibido no último domingo (3) pela TV Globo, gerou justos protestos do movimento negro. O quadro humorístico “O Baú do Baú do Fantástico”, estrelado pelo ator Bruno Mazzeo, tratou de forma jocosa da abolição da escravatura. Num dos trechos, o abolicionista Joaquim Nabuco é apresentado como líder do movimento MMS – “Negros, mulatos e simpatizantes”. Já a Princesa Isabel afirma que os ex-escravos serão amparados por programas governamentais como o “Bolsa Família Afrodescendente”, o “Bolsa Escola – Senzalão da Educação” e o “Minha Palhoça, minha vida”.
Em seu blog hospedado na revista CartaCapital, o ativista Douglas Belchior criticou duramente o programa “humorístico”. No texto intitulado “Rede Globo, fantástico é o seu racismo”, ele indagou: “Eu não acredito que qualquer conteúdo seja veiculado por um dos maiores conglomerados de comunicação do mundo apenas por um acaso ou sem alguma intencionalidade para além da nobre missão de ‘informar’ os milhões de telespectadores... E me perguntei: Por que cargas d’água, a Rede Globo exibiria um conteúdo tão politicamente questionável? O que teria a ganhar com isso? Sequer estamos em maio! Que ‘gancho’ ou motivação conjuntural haveria para justificar esse conteúdo?”.
Para ele, o ataque ao movimento negro não se deu por acaso. “Estamos em novembro. Este é o mês reconhecido oficialmente como de celebração da Consciência Negra. É o mês em que a população afrodescendente rememora, no dia 20, Zumbi dos Palmares, líder do mais famoso quilombo e personagem que figura no Livro de Aço como um dos Heróis Nacionais, no Panteão da Pátria. Relevante não? Estamos também na véspera da III Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, momento ímpar de reflexão e debates sobre os rumos das ações governamentais relacionadas à busca de uma igualdade entre brancos e negros que jamais existiu no Brasil”.
Além disso, Douglas Belchior lembra que recentemente o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou dados impressionantes sobre a violência contra os jovens negros no Brasil. “Voltando ao Fantástico, evidente que há quem leia as cenas apenas como um mero quadro humorístico e como exagero de ‘nossa’ parte. Mas daí surgem novas perguntas: Um regime de escravidão que durou 388 anos, que custou o sequestro e o assassinato de aproximadamente 7 milhões de seres humanos africanos e outros tantos milhões de seus descendentes e que fora amplamente denunciado como um dos maiores crimes de lesa-humanidade já vistos, deve/pode ser motivo de piadas?”.
Para o blogueiro da revista CartaCapital e para o conjunto do movimento negro, o "humorístico" do Fantástico só confirma a existência do racismo no país e evidencia que a mídia ajuda a difundir os preconceitos raciais. “Uma das tarefas fundamentais dos meios de comunicação dirigidos pelas oligarquias e elites brasileiras tem sido a propagação direta e indireta, muitas vezes subliminar, do racismo. É preciso perceber o que está por trás da permanente degradação da imagem da população negra nesses espaços. Há um pensamento racista que é, ao mesmo tempo, reformulado, naturalizado e divulgado para a coletividade”.
Diante desta situação deplorável, Douglas Belchior conclui: “A arte em forma de publicidade, teledramaturgia, cinema e programas humorísticos são poderosos instrumentos de formação da mentalidade. O que vemos no Brasil, infelizmente, é esse poder a serviço do fomento a valores racistas e preconceituosos que, por sua vez, gera muita violência. A democratização dos meios de comunicação é fundamental para combater essa realidade”.
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