Fina Estampa: decadência da civilidade
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Fina Estampa: decadência da civilidade


Por Washington Araújo, no blog Um cidadão do mundo:

O programa de maior audiência da televisão brasileira é uma novela. E não uma novela qualquer, mas aquela novela que ocupa o horário nobre da noite, a novela das 8, que mesmo sendo referida por gerações de brasileiros como a novela das 8, na realidade vai ao ar às 9 da noite, pegando logo de início significativa audiência deixada pelo telejornal mais longevo e mais assistido do Brasil, o Jornal Nacional.



Não por acaso, o folhetim, entra ano sai ano, é produzido e transmitido pela Rede Globo de Televisão. O gênero há muito se firmou como produto televisivo tipicamente brasileiro e seus personagens, além de falarem português, são assistidos por milhões de espectadores mundo afora, como a Escrava Isaura, dublada em Pequim em mandarim, ou qualquer personagem vivido por Toni Ramos sendo entendido por audiências finlandesas, mexicanas ou italianas.

É um programa superlativo. As inserções publicitárias mais caras da televisão aberta estão encaixadas entre uma e outra parte da novela. O elenco conta sempre com a participação dos mais importantes artistas brasileiros – de Fernanda Montenegro a Ari Fontoura, de Marília Pêra a Wagner Moura, de Camila Pitanga a Regina Duarte, de José Wilker a Nathalia Timberg. E consegue reunir tamanha carga de talento porque usa e abusa de um certo tipo de cartelização de recursos humanos: os melhores artistas estão em sua folha mensal de pagamento, esteja ou não atuando em alguma produção da emissora.

E com isso mantém invejável reserva de mercado, privando as concorrentes de gente muito talentosa, muito experiente, muito apta a manter os olhos como que hipnotizados pela telinha mágica. A verdade é que as novelas concorrentes não chegam a ser páreo para suas congêneres produzidas pela Central Globo de Produção no Projac, em Jacarepaguá: os grandes autores de novelas também integram essa escancarada reserva de mercado.

A mesquinhez da natureza humana

Apesar de tantos bons números e de tão longa tradição no terreno das novelas, a verdade é que a TV Globo não ocupa (ainda) o primeiro lugar no volume de novelas produzido. É a segunda emissora brasileira que mais produziu novelas desde o surgimento da televisão no Brasil nos anos de 1950. Entre os horários das 18, 19, 20 e 22 horas, até este final de2011, aemissora da família Marinho produziu e exibiu mais de 240 novelas. Ainda assim está longe de alcançar a marca da extinta TV Tupi que, sendo a primeira emissora de televisão brasileira, produziu cerca de 350 novelas.

O poder de seduzir vastas audiências explica muito do êxito comercial da TV Globo. Em 1985, com a exibição de Roque Santeiro, alcançou formidáveis 67 pontos de Ibope; e embora os tempos tenham mudado bastante, sua novela de maior audiência na atualidade é Fina Estampa, que já conseguiu, em novembro de 2011, cravar 43 pontos no Ibope. Comparando com Roque Santeiro, a queda na audiência é muito expressiva, mas se compararmos com as novelas das emissoras concorrentes, que nunca ultrapassam os 9 ou 2 pontos de Ibope, é um produto imbatível no gosto popular. E ocupa lugar proeminente dentro da grade da própria emissora, superando o Jornal Nacional, que oscila entre 35 e 38 pontos. Supera também os dominicais: Domingão do Faustão alcança 14 pontos e o sempiterno Fantástico consegue sua melhor marca com 20 pontos.

Se em décadas passadas o enredo privilegiava histórias de amor, sofridos, envolvendo traições e adultérios, paternidade oculta e os revezes que somente a roda da fortuna pode oferecer, situações em que personagens pobres enriquecem e os muito ricos empobrecem e têm de encarar situação de penúria extrema, os últimos anos foram pródigos em jogar luz sobre a mesquinhez que se encastela na natureza humana: são histórias de cafajestagem, mau-caratismo, corrupção moral e social, violência (quase sempre gratuita e despudorada) contra menores e idosos, escárnio com pessoas pobres ou com pouca cultura formal.

“Minimamente normais”

É nesse contexto que o carro-chefe da principal emissora de TV brasileira passa a espelhar a decadência da civilidade e dos bons costumes, a falência ostensiva de valores éticos e morais, a resistência a tudo o que um dia foi considerado politicamente correto. O público parece ter deixado de lado qualquer interesse por histórias fantasiosas como a trama de Roque Santeiro, com suas crendices e superstições, e parece disposto a ter como entretenimento o mundo-cão tal como ele é, sem máscaras e sem falsas aparências. É o ocaso da normalidade. E o triunfo da mediocridade.

É interessante tecer alguns comentários sobre a atual novela da 9, Fina Estampa. Como de costume, é a que arrebanha uma multidão de telespectadores, das classes D e E às classes A e B. São brasileiros de qualquer cidade, de qualquer região, de qualquer estado e também de qualquer faixa etária.
A novela brasileira de maior audiência nos dias que correm tem como principal personagem, vivida com todos os excessos a que tem direito, a experiente atriz Cristiane Torloni. Sua personagem é mau-caráter de carteirinha. E além de assassina, encomenda também a morte de desafetos. A lista de deformidades de caráter e de conduta incluem seu ódio por pessoas pobres. Despreza, ridiculariza e pisoteia homossexuais e também pessoas de pele escura. Não deixa de lançar farpas e menosprezo às pessoas que não podem ter filhos.

Não fica por aí. A Teresa Cristina de Cristiane Torloni submete a regime de semiescravidão a criadagem da casa, da cozinheira ao motorista. Como pano de fundo, é um ser humano afogado em futilidades, levando uma vidinha vazia e sem qualquer densidade humana. Como contraponto, temos Lília Cabral esbanjando talento como Pereirão, “seu marido de aluguel”. A diferença é que Pereirão é tão bondosa e decente que chega a ser inverossímil. Pareceinvenção despropositada de autor querendo fazer as pazes com o lado razoável da natureza humana.

As tramas paralelas privilegiam a bandidagem: gerente de loja de motos que ilude clientes, trocando peças originais das máquinas por peças recondicionadas; a “periguete” que deseja a morte do marido para receber o prêmio de seguro de vida; a jornalista absolutamente sem escrúpulos e sempre disposta a mentir e a chantagear para conseguir com sua atividade alguns trocados a mais; o marido que espanca a mulher; os desocupados que passam a vida em eterno jogo de vôlei de praia e sempre a postos a discriminar homossexuais; adolescentes chegados a falcatruas; mulher idosa e bastante experiente nas artes da chantagem e, finalmente, a exceção de mais dois ou três personagens “minimamente normais”.

Horário ideal

Fina Estampa assegura à audiência interminável desfile de tipos humanos repulsivos, tipos que nos fazem descrer, por completo, no gênero humano. E anuncia o que pode estar sendo gerado para suas sucedâneas: cenas explícitas de pedofilia, incesto e infanticídio, desenvolvimento de personagens com características de serial killers, apedrejamento de fieis dentro de templos evangélicos (por que será?), espancamento de mulheres que se submetem como se fossem escravas sexuais e outros tipos de pessoas com aberrações ainda pouco difundidas.

Mas não por muito tempo. Afinal, se alguém desejasse difundir uma moda, um comportamento humano específico ou um estilo de vida, será que existiria produto mais adequado que uma novela da Globo… e na faixa das 9 da noite?




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