Por Dennis de Oliveira, na revista Fórum:Na edição de sábado, dia 7 de setembro, página A-10 da Folha de S. Paulo, o leitor é surpreendido com a seguinte matéria de página inteira:
Título: A pauta das ruas
Linha fina: Reportagens da Folha forneceram informações aos manifestantes que saíram as ruas para protestar contra a corrupção e exigir melhores serviços públicos.
Texto de abertura: Três meses após o início dos protestos no país, no dia 6 de junho, manifestantes voltam hoje às ruas em mais de cem cidades para protestar contra a corrupção e pedir melhorias nos serviços públicos. Diferentemente do que diz quem critica a mídia profissional (sic), a grande maioria desses movimentos se alimenta do noticiário da imprensa. Um estudo revelou que 80% dos links compartilhados no twitter com hashtags ligadas aos protestos durante o auge das manifestações, em junho, se originavam de veículos tradicionais (sic). A simples leitura das faixas exibidas pelos manifestantes mostra que seus temas já tinham sido anunciados e discutidos na própria Folha.” (grifo meu)
Abaixo deste texto, o jornal exibe fotos com faixas de manifestantes e conecta com matérias publicadas dias antes no jornal.
A primeira é uma faixa contra a violência. O jornal mostra uma manchete de dois dias antes falando da repressão policial contra os manifestantes. Fantástico! Se não fosse a “Folha de S. Paulo”, ninguém saberia que houve repressão da PM na manifestação, nem os que estavam lá. Aliás, faltou o jornal dizer que ele defendeu a repressão policial dias antes.
A segunda faixa é contra a PEC 37. Ao lado, manchete do jornal falando que os promotores agiram para evitar a aprovação da lei. Esta discussão já estava rolando muito tempo antes nas redes sociais por iniciativas, inclusive, de entidades representativas de promotores.
A terceira faixa refere-se a reivindicação da prisão imediata dos condenados na ação do mensalão. E a Folha conecta esta faixa com uma matéria que ela publicou dizendo que o caso poderia durar até dois anos. Se não fosse a Folha,…
A quarta faixa é contra o aumento das tarifas de ônibus. Se não fosse a Folha, ninguém ia saber que o ônibus ia ficar mais caro…
A quinta é sobre a reforma agrária. A Folha é que “denunciou” que a presidenta (presidente para os machões do jornalismo “profissional”). foi a que menos desapropriou terras. Alô, Stédile e o pessoal do MST: não deixem de ler a Folha para saber como anda a reforma agrária…
A sexta é sobre saúde. Dias antes, a Folha de S. Paulo mostrou o aumento da dívida das Santas Casas. Foi isto que mobilizou o pessoal para ir às ruas para reivindicar mais verbas para a saúde, não foi a experiência de ficar horas e horas nas filas do SUS…
A sétima é sobre a mobilização contra a Copa. Três dias antes, a grande Folha de S. Paulo mostrou que os gastos públicos com a Copa subiram. A ação dos comitês populares da Copa que há mais de ano questionam estes gastos não tiveram nenhum papel, importante foi esta matéria da brava Folha!
A oitava é sobre educação. A Folha magnífica “descobriu” que a educação explica 100% da desigualdade de renda… Ninguém sabia disso! A Folha é que alertou o povo da importância dos investimentos em educação para o país.
A nona é uma faixa pedindo a redução de impostos. Graças a matéria da Folha de S. Paulo sobre o IOF (???). Sem comentários…
A décima é uma faixa da “cura gay”. “Somente” após a Folha de S. Paulo brilhante mostrar que o deputado Marcos Feliciano ia propor a aprovação do projeto da “cura gay” é que o pessoal resolveu se mobilizar. Atenção, pessoal da organização da Parada Gay: chamem o pessoal da Folha para um carro alegórico especial na parada do ano que vem!
A décima primeira é sobre a demarcação das terras indígenas. Tudo isso graças a grande matéria da Folha que mostra que o “ritmo de concessão de terras a indígenas é menor desde FHC”. Povos indígenas do Brasil: não dá para não ler a Folha!
E a última (ufa!) é uma faixa contra as mordomias de políticos. E também graças a Folha de S. Paulo que “denunciou” em primeira mão que os deputados tem muitos benefícios. Se não fosse o bravo jornal, ninguém ia saber que os políticos no Brasil têm mordomias.
O grande problema da mídia hegemônica (ou “profissional” como se autointitula a FSP) é não reconhecer que perderam o monopólio da novidade e da informação, e que os fluxos informativos se desenvolvem por outras vias, apesar desta mesma mídia ainda possuir um papel importante por conta da sua estrutura.
Esta postura de arrogância que cheira a um certo “autismo” a medida que ignora outros fenômenos e processos que ocorrem na sociedade da informação cria situações patéticas como esta.
Depois dessa, só me resta dizer: “Folha, não dá para não rir!”
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