Gabriel García Márquez e o jornalismo
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Gabriel García Márquez e o jornalismo


Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:

A morte de Gabriel García Márquez surpreendeu a imprensa de todo o mundo na quinta-feira (17/4), embora boatos tenham anunciado que ele esperava junto de sua família o desfecho da doença que o acometia. Gabo já não tinha vigor para outro combate com o câncer, que em 1999 havia interrompido um de seus projetos mais instigantes.

Na sexta-feira (18), os jornais fazem longos obituários, ressaltando sua obra literária, na qual se destaca Cem Anos de Solidão, o estonteante romance que é tido como a metáfora perfeita dos rincões mais profundos da América Latina. Os comentários repetem à exaustão as referências a ele como fundador do estilo literário que ficou conhecido como “realismo mágico”, expressão que ele não reconhecia como definidora de sua obra. Aquilo que para os outros parecia magia era o modo como ele enxergava a realidade.

Os privilegiados que puderam observá-lo de perto sabem que ele vivia em um estado que excedia os parâmetros comumente aceitos como definidores daquilo que existe. Realidade e imaginação se completavam. No convívio mais próximo, impressionava o modo como saltava rapidamente de um tema complexo para possibilidades radicais, num encadeamento de palavras que mesclavam reflexões profundas com brincadeiras pueris e provocações.

Foi assim com os dez jornalistas que convidou para aquele projeto, em 1997, que ele intitulou “jornalismo ideal”. Era o tempo de consolidação das tecnologias de informação e comunicação que viriam a revolucionar o modo como o ser humano se comunica e se informa, e ele se juntou ao grupo para liderar o desenvolvimento de uma visão de futuro para o jornalismo.

Este observador era um dos participantes.

Durante meses, cada um em sua cidade, e posteriormente em Cartagena de Índias, na Colômbia, e depois em San Miguel de Allende, no México, o grupo se dedicou a imaginar como poderia ser uma imprensa capaz de se aventurar no território ilimitado da internet, abrindo-se para a sociedade e compartilhando com o público o poder de definir o que é relevante entre os fatos de cada dia.

O zumbido da ética
O projeto foi concluído no final de 1998 e deveria ser levado a redações e escolas de jornalismo pelo mundo afora, com uma série de recomendações e propostas que tinham como objetivo provocar uma ruptura no modo como é feita a interpretação e mediação dos acontecimentos pela imprensa. A doença surpreendeu a todos, mas aquelas reflexões permaneceram no currículo da Fundação para o Novo Jornalismo Iberoamericano, idealizado por Gabriel García Márquez e dirigido pelo intelectual Jaime Abello Banfi.

No fundo, o propósito era romper alguns processos tradicionais do trabalho jornalístico, abrindo a possibilidade de compartilhamento das escolhas com o leitor. Cabia ao designer Roger Black elaborar os meios pelos quais haveriam de conviver textos e imagens, de modo que uma nova arquitetura estimulasse a transformação constante do conteúdo pela experiência de cada leitor.

Gabo era o paradigma: sua presença e suas intervenções apontavam para o horizonte sem limites da imaginação. Era um homem fascinante, um manancial de ideias cuja matriz parecia vir de um profundo sentimento de solidariedade, o mesmo que o fez se aproximar dos protagonistas de algumas das utopias do seu tempo.

Costumava dizer que o jornalismo deveria perseguir a realidade, e apostava que sempre haveria leitores interessados em acompanhar uma história, desde que fosse contada com talento. Nesse sentido, ele achava que jornalismo e literatura tinham que se mesclar em algum ponto.

Seu Relato de um Náufrago, primorosa reportagem que resgatou, meses depois de ocorrido, o testemunho do único sobrevivente de um desastre no mar do Caribe, é um modelo dessa possibilidade literária do jornalismo.

No entanto, para Gabriel García Márquez, antes da técnica vinha a ética. Ele nos ensinou que essa deve ser a razão de ser da atividade jornalística: uma ética profunda, capaz de justificar a intromissão de alguém na vida do outro. Ele dizia isso com uma metáfora simples e clara: “A ética não é uma condição ocasional, mas deve acompanhar sempre o jornalismo, como o zumbido acompanha o voo da mosca”.




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