Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
O Planalto não é capaz de esconder sua perplexidade diante da mais nova notícia de Brasília. Em meio às denúncias da Petrobras, celebradas pela oposição como a nova esperança de colocar o governo contra a parede, Gilmar Mendes acaba de ser escolhido para ser relator do ponto mais delicado da campanha de 2014: as contas de Dilma Rousseff.
Até agora, as contas da campanha de Dilma estavam sob os cuidados do ministro Henrique Neves, indicado pelo Judiciário para integrar o TSE. Mas o mandato de Neves expirou na quinta-feira e, menos de 24 horas depois, por determinação do presidente do tribunal, José Antonio Dias Toffoli, ocorreu a escolha de seu substituto. Neves poderia ter sido reconduzido para o posto, através de Dilma Rousseff. Mas a presidente se encontrava fora do país, nas reuniões do G-20, e isso não ocorreu.
A verdade é que não havia a menor urgência no caso. Isso porque as contas final de Dilma ainda não foram entregues ao tribunal - o prazo legal não venceu - o que eliminaria qualquer pressa para encontrar um substituto. Ainda assim - e este detalhe surpreendeu os petistas que acompanham o TSE - Toffoli determinou que o caso fosse redistribuído imediatamente, decisão que permitiu que Gilmar fosse escolhido.
Pelas normas do TSE, o caso deveria ter ficado com um ministro da “mesma classe” que Henrique Neves. Gilmar está fora desse critério, pois ingressou no STF como advogado. Mas acabou ficando com o caso. Este ponto - a diferença de classe entre os dois ministros - será usado pelos advogados do PT para recorrer da decisão e conseguir a indicação de um novo ministro.
A escolha de Gilmar integra um cenário de pesadelo para o PT por um conjunto de motivos compreensíveis. O primeiro é que desde 2012, quando afirmou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma tentativa de chantagem as vésperas do julgamento do mensalão - denúncia desmentida por seu colega Nelson Jobim, presente ao encontro - Gilmar Mendes tem-se notabilizado por votos contrários ao Partido dos Trabalhadores. Foi um dos mais duros críticos do PT no julgamento da AP 470. Apoiou penas duríssimas e recusou, inclusive, os embargos infringentes que beneficiaram determinados réus.
Em 2014, no debate de uma emenda constitucional sobre mudanças nas regras de campanha, que pede o fim da contribuição de empresas privadas, Gilmar pediu vistas para examinar o caso com mais cuidado. Mesmo enfrentando a pressão de uma campanha de entidades da sociedade civil, num leque muito mais amplo do que a esfera de siglas que costuma acompanhar o PT, o ministro não dá o menor sinal de que pode perturbar-se com isso. A votação está interrompida há sete meses e não dá a menor ideia de quando ela poderá ser retomada.
Durante a campanha presidencial de 2014, Gilmar deu uma liminar que prejudicava o PT, embora ela contrariasse frontalmente uma decisão por 7 a 0 no tribunal.
Por diversas vezes, a agressividade de seus votos contrários ao PT chamou a atenção da platéia dos julgamentos.
O temor em relação as contas da campanha de 2014 não é técnico mas político. Por motivos mais do que compreensíveis, é bastante razoável supor que o PT e outras legendas tenham tido cuidados redobrados com contribuições eleitorais em 2014. Num pleito tenso, disputado do início ao fim, parece um cálculo elementar evitar qualquer brecha legal que possa ser aproveitada pelo adversário.
A questão é o momento que o país atravessa - e aí as contas do TSE podem se encontrar com a investigação sobre a Petrobras. Imagine a pressão, as manchetes glorificadoras.
Ninguém discute a necessidade de apurar até o fim toda denuncia de corrupção, com empenho e seriedade.
Mas é difícil deixar de registrar um problema de isenção no processo depois de uma reportagem de Julia Duailibi publicada pelo Estado de S. Paulo na quinta-feira.
Demonstrou-se, ali, que delegados que comandam a Operação Lava Jato têm uma postura anti-petista agressiva e notória, o que contraria não apenas o bom senso elementar, mas também o artigo 364 do regimento disciplinar da Polícia Federal, como você pode ler em nota anterior neste mesmo espaço.
A denuncia do jornal levou a abertura de uma investigação sobre os delegados por parte da Corregedoria da PF, que deve ter início na segunda-feira. Até lá, eles seguem em suas atividades na Lava Jato. A explicação é que não seria possível tomar qualquer medida disciplinar contra os policiais na véspera da operação de busca e apreensão nos escritórios de empresas acusadas de pagamento de propina na Petrobras.
Ontem, o delegado Igor de Paula esteve no centro de uma entrevista coletiva onde explicou a operação que terminou na prisão de executivos de várias empreiteiras acusadas de envolvimento no esquema de corrupção.
Conforme o Estado de S. Paulo, além de ser um dos responsáveis por um inquérito de óbvias repercussões políticas, o que permite uma curiosa ironia. O mesmo delegado que falava de punir esquemas de corrupção participa, segundo o jornal, de um grupo no Facebook chamado Organização de Combate a Corrupção, cujo símbolo “é uma caricatura de Dilma, com dois grandes dentes incisivos para fora e uma baixa vermelha na qual está escrito: “Fora PT.”
Oito dias antes do segundo turno, o delegado Igor distribuiu um link da revista Economist, que pedia a saída de Dilma e a eleição de Aécio. Em 18 de outubro, ele escreveu “Este é o cara” numa montagem com várias fotos do candidato do PSDB.
Numa postura que revela uma opção de cobertura sobre o caso, nenhum grande veículo repercutiu, ontem, a denúncia do Estado, embora sua gravidade seja indiscutível. Ninguém teve curiosidade de perguntar como os delegados se sentiam depois da reportagem, que trouxe acusações constrangedoras — para dizer o mínimo — para qualquer autoridade comprometida com a defesa da lei e da ordem.
Você sentiu falta dos meninos tão atrevidos do CQC? Eu senti. Eles são tão engraçadinhos, não?
Ninguém sabe o que pode se passar num universo com as investigações do delegado Igor numa ponta e Gilmar Mendes na outra. Eu acho explosivo. Convém não esquecer que boa parte da oposição não aceita o resultado das urnas.
Todo mundo tem direito a cultivar a hipótese de sua preferência. Não é preciso antecipar nada nem pré-julgar ninguém.
Mas você sabe muito bem o que pode acontecer, certo?
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