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Governo castiga as estatais - SUELY CALDAS
O Estado de S.Paulo - 06/10
A festa não aconteceu, porque não há o que festejar. No dia em que a Petrobrás completou 60 anos, ela não soprou velinhas, não cantou parabéns, não estourou o champanhe e ainda recebeu um amargo castigo de presente: a agência Moody's rebaixou a nota de classificação de risco de sua dívida, colocando a empresa em limite próximo da perda do chamado "grau de investimento" (investimento seguro, com baixo risco de inadimplência) - status, aliás, que seu prestígio e seu respeito mundo afora conquistaram há seis anos, antes mesmo de o Brasil tê-lo alcançado. E que agora vai perdendo em ritmo progressivamente arriscado, perigoso e ameaçador.
E por que o castigo? Por que a maior empresa brasileira, gigante na América Latina e no mundo do petróleo, encolhe de tamanho e perde prestígio tão rapidamente? Parece contraditório, e é: o governo mais estatizante pós-ditadura militar é justamente o que mais maltrata suas empresas estatais.
E o castigo não é restrito à Petrobrás, também a Eletrobrás vive momentos difíceis: além de carregar penduricalhos (distribuidoras estaduais caóticas) que não são seus, teve seu caixa abruptamente abalado pela queda de faturamento, desde que o governo federal reduziu a tarifa de energia, o que obrigou a empresa a cancelar importantes investimentos. É o que veremos adiante, depois de discorrer sobre o dilema da Petrobrás.
Petrobrás. O rebaixamento da Moody's chega num momento em que a Petrobrás mais precisa de crédito externo para investir uma montanha de dinheiro no Campo de Libra do pré-sal, que será leiloado no dia 21 de outubro. Com perspectiva de classificação de risco em queda, ela vai pagar uma conta bem mais salgada de juros nos empréstimos externos de que tanto precisa. E, como o modelo concebido pelo governo federal para o pré-sal - mais especificamente pela presidente Dilma Rousseff na gestão Lula - obriga a Petrobrás a bancar um mínimo de 30% de todo o dinheiro investido na área, a Moody's justificou o rebaixamento com dois argumentos: o rápido crescimento da dívida (mais R$ 28,5 bilhões só no último semestre, elevando-a para R$ 176,28 bilhões) vai continuar e o fluxo de caixa negativo piora a cada dia com a recusa do governo em reajustar o preço dos combustíveis.
Ou seja, a empresa vive hoje uma situação sem saída, do tipo "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come": se continuar aumentando sua dívida, a nota de risco vai baixar ainda mais (pode até perder o grau de investimento) e os juros dos empréstimos se elevam; e a porta que podia se abrir com o faturamento da venda de seus produtos é fechada porque o governo se nega a reajustar os preços.
Para piorar, sua produção interna vem caindo continuamente (falta dinheiro para investir), o que a obriga a aumentar as importações de gasolina e de outros derivados para suprir o abastecimento, gastando mais do que planejou com o dólar em alta e agravando a defasagem (prejuízo) entre o preço de importação e o que vende aqui.
Pior ainda: a renúncia fiscal estimulou a venda de automóveis no Brasil, engarrafando o tráfego nas grandes cidades e expandindo o consumo de combustíveis. E mais grave: quanto mais próximas as eleições, mais distante a solução, já que os governos do PT deram inúmeras provas de que preferem sacrificar a economia a perder votos nas urnas.
A alternativa de repetir a megacapitalização na empresa, como aconteceu em 2010, virou questão de honra para a presidente Graça Foster. Em recente entrevista ao jornal O Globo, ela respondeu irritada: "Outra capitalização? Não, com Graça não! Já disse que não farei. Já disse ao acionista (o governo) que não, não". Pudera! Como outras soluções simplistas, apressadas e absolutamente primárias - as transferências de dinheiro do Tesouro Nacional para os bancos públicos, por exemplo -, a megacapitalização também produziu prejuízos irrecuperáveis para a imagem e a credibilidade da Petrobrás: derrubou suas ações na Bovespa e em Nova York e jogou ao chão seu valor patrimonial. Pelo tom da resposta, certamente Graça Foster vem sendo pressionada pelo governo a recorrer a outra capitalização, que até pode ajudar a pagar R$ 4,5 bilhões só de bônus de assinatura no leilão de Libra, mas produz efeito devastador no curto, no médio e no longo prazos na saúde financeira da estatal.
Nem nos governos militares, que congelavam os preços, mas compensavam com apoio financeiro, a Petrobrás foi tão maltratada.
Eletrobrás. A empresa é outra vítima do governo Dilma Rousseff. Não bastasse a redução da tarifa de luz, que fez desabar o preço das ações nas bolsas, esvaziou seu caixa com a brusca queda de faturamento e levou-a a cortar 30% dos investimentos, a Eletrobrás tem sido crescentemente acionada pelos sucessivos governos a acampar distribuidoras estaduais de gestão caótica e prejuízos irrecuperáveis. As seis que ela abrigou (Amazonas, Alagoas, Piauí, Rondônia, Roraima e Acre) subtraíram de seu caixa, em 2012, R$ 1 bilhão em investimentos e mais R$ 1,33 bilhão em prejuízos.
O dilema se arrasta há anos: os governos estaduais transferiram o abacaxi financeiro para a Eletrobrás, mas não abriram mão de continuar influenciando politicamente na gestão das distribuidoras, ora delas extraindo favores políticos e eleitorais, ora ocupando cargos com apadrinhados. Numa tentativa de afastar os governadores, em 2006 foi nomeada uma única diretoria para as seis, com sede no Rio de Janeiro. Inútil, elas continuaram sangrando o balanço financeiro da Eletrobrás. Agora o Banco Santander foi contratado para propor uma solução, que seria a privatização, mas o governo não sabe o que fazer, não quer privatizar em ano eleitoral.
O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Romeu Donizete Rufino, diz que fiscaliza as empresas com o mesmo rigor, sejam elas estatais ou privadas. "Se a gestão é ruim, cobramos eficiência", afirma. Mas é óbvio que o tratamento dado às distribuidoras estatais é bem diferente daquele recebido pelas empresas do grupo privado Rede. "A solução para o Grupo Rede tinha de ser a intervenção. Já no caso das seis distribuidoras, a Eletrobrás não vai deixar falirem", explica. No fim de tudo, quem paga a conta da incompetência e da invasão dos políticos são todos os brasileiros, acionistas da Eletrobrás.
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