GUEST POST: 50 ANOS DO GOLPE MILITAR E A ARTE DO LUTO
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GUEST POST: 50 ANOS DO GOLPE MILITAR E A ARTE DO LUTO


Hoje precisamos falar do Golpe Militar de 1964 que, há exatos 50 anos, roubou a democracia do Brasil durante um período sombrio que durou 21 anos (foram 29 anos sem que pudéssemos eleger um presidente). 
Temos que lutar contra ideias fascistas e deixar claro que não queremos uma ditadura nunca mais (veja este excelente documentário). Como vi num muro da faculdade esses dias: Nada de ditadura! Nem militar, nem civil, nem do Estado, nem do mercado.
Agradeço muito a Raphaella Perlingeiro, que é formada em Letras e História pela PUC-Rio, e tem um blog de viagem, por escrever este guest post tão necessário.


“E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, 
gaguejando, pediu ao pai: - Me ajuda a olhar.”
Eduardo Galeano em Livro dos Abraços

Há um mês estava lendo uma entrevista sobre traumas causados em crianças abandonadas. A autora -- não me pergunte o nome -- dizia que a dor dessas crianças, quando abandonadas ainda bebês, é tão intensa quanto aquela vivida em situações limites (guerra, viuvez etc). 
A particularidade desses casos está na não existência de memória concreta do trauma. O que fica é uma dor difusa, um sentimento de aniquilamento que as impedem de se apossar de suas vidas de forma completa. E ela avisa: o único meio para quebrar esse círculo é pela rememoração, pela lamentação e pela experiência do luto.
Hoje, não é apenas o dia da mentira, é um dia para lembrarmos de algo que nos aconteceu 50 anos atrás. Uma situação limite, traumática. O Golpe de Estado de 1964 ceifou o governo do presidente João Goulart, e, junto com este, também nos roubou a possibilidade de escolhermos diretamente nossos presidentes (entre 1966 e 1978 também não podíamos mais votar em nossos governadores). O que veio depois ficou conhecido como a Ditadura Militar, que durou até a eleição de Tancredo Neves (eleito indiretamente no Colégio Eleitoral em 1985). 
Ao lembrar desse momento não consegui evitar aquele sentimento de criança abandonada que começa a experimentar o luto. Nasci em 1976, quando ainda vivíamos o período da Ditadura Militar. Era o período de Distensão da Ditadura. A lenta transição para retornarmos à democracia, às eleições diretas. Minhas memórias sobre esse tempo são poucas. As minhas primeiras lembranças sobre a vida política do meu país começaram com as Diretas Já. 
Antes são apenas conversas invadidas em momentos inapropriados e que foram experimentadas como uma espécie de tabu. Mas eu entendia o ódio, o medo e a saudade pesando no ar. Nunca entendi, contudo, o porquê daquilo. A opção sempre foi o silêncio, para evitar a dor e os sentimentos confusos. Hoje, contudo, as lágrimas nos rostos de 1985 fazem sentido. 
Chegaram as leituras sobre o tema, e com elas a constatação dolorosa de que esse período não era algo ficcional; ao contrário, era algo próximo e vivo. E pensei: será que esse é um sentimento só meu? Continuei lendo. Sem pretensões, apenas curiosidade. 
Quer saber o que descobri de mais fundamental? Que esse passo de descoberta precisa ser dado por cada um de nós. É preciso que cada um de nós busque, por conta própria, as diversas narrativas para juntarmos os cacos da nossa História. Chega de silêncios, chegou a hora da criança lembrar de seus traumas e aceitá-los. Conhecer a História do próprio país é como um processo de análise para nosso eu coletivo. Aquele que eu compartilho com vocês. 
O Golpe Militar, e depois a Ditadura, foi um dos grandes traumas de nossas História. Foram muitos os mortos. Nossa potencialidade de experimentar a vida democrática de maneira completa foi arrancada das nossas mãos. Alguém decidiu que não tínhamos capacidade de escolher. E, de 1964 até 1989, não tivemos. 
Hoje, no entanto, esta capacidade está em nossas mãos (ainda que tudo nos leve a crer no contrário). Por isso digo: vamos nos apossar de nossas memórias difusas e traumáticas de 1964. É hora de compreendermos o quanto essa História é nossa. O passado é pura potencialidade. Somos nós quem resgatamos aquilo que nos presta a pensar sobre os nossos atos, como pessoas e como nação. 
Hoje é dia primeiro de abril, vamos lembrar dos nossos mortos? Deixar que eles nos digam um pouco sobre a sua versão, sobre o que foi perder essa capacidade de votar? Por que tantos morreram por isso? Façam essa pergunta sempre. E que nada fique escondido e difuso sobre nossa História. Nós somos os ditadores e as vítimas. A capacidade de matar está em nós, mas a de gerar vida também. É preciso lamentar o Golpe Militar para não esquecer disso. 
O que faremos com isso depois?
Talvez a saída seja um pouco como a parábola de Eduardo Galeano. O menino nunca tinha visto o mar. Viajou. Viajou. Quando chegou lá, precisou da ajuda do pai para vê-lo. Que a memória do Golpe de 1964 viva hoje mais forte para aqueles que precisarem de ajuda para ver o mar. Ou quem sabe, para votar.




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