GUEST POST: BUSCO O BELO QUE É INVISÍVEL PRAS PESSOAS
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GUEST POST: BUSCO O BELO QUE É INVISÍVEL PRAS PESSOAS


Faz umas duas semanas, a Dani Libardi, artista plástica em SP, me enviou um email com desenhos magníficos perguntando se seu trabalho era feminista. Eu pedi que ela escrevesse um guest post sobre suas inquietações. Sábado passado ela foi a uma palestra minha. 
Veio falar comigo depois e me presenteou com um lindo desenho que ela fez pra mim (aí em cima), e que eu quero emoldurar e colocar na parede.
Dani tem no Facebook todas as fases artísticas que passou este ano. E promete: "em breve postarei desenhos novos que continuam se alinhando a essa busca do belo no real". Todas as imagens usadas para ilustrar este post são da Dani.
 
Eu sou a Dani, tenho 26 anos e descobri o blog da Lola pelo Cem Homens, na época em que a Letícia ainda estava na contagem. Neste um ano e meio, absorvi o feminismo e temas como a aceitação do próprio corpo graças a vivências pessoais que me fizeram amadurecer e a esse blog. Ele foi muito importante pra mim, porque esclareceu vários conceitos e gerou questionamentos.
Sou cineasta e artista plástica. Acredito que os artistas têm um poder e uma responsabilidade muito importante de mexer com os sentimentos e pensamentos das pessoas. Qual a importância de uma obra se quem a vê (ou a assiste) passa por ela sem ter sentido nada novo, sem ter revisto algum conceito, sem ter se colocado no lugar de outra pessoa, sem ter se transformado ao menos um pouquinho? Acho que a arte pode (e deve) ser divertida, ser entretenimento. Mas não é por isso que ela deva reproduzir o já visto, o já falado, o senso comum.
Estou dizendo isso porque gosto de desenhar pessoas. E é muito fácil desenhar rostos e corpos dentro do padrão de beleza normativo. Se me pedem pra desenhar uma mulher e deixo minha mão “no automático”, ela desenha uma mulher tipo uma miss. Isso é um pouco estranho porque eu me inspiro muito mais na vida real (onde vivem pessoas reais, com suas histórias e pensamentos, seus desejos e medos) do que em insossas páginas de revista onde todas são artificialmente perfeitas e cheias de uma felicidade vazia. Ou seja, o padrão de beleza cultural influencia até mesmo a forma como eu faço arte e há até pouco tempo eu não havia percebido.
Nesses últimos tempos, inclusive por causa do seu blog, refleti sobre essa “beleza automática”. Busco o belo quando desenho, mas fiquei pensando se meu dever como artista não é justamente encontrar o belo onde as pessoas não conseguem encontrá-lo sozinhas e mostrá-lo. Passei a colocar algumas dobrinhas tímidas nos corpos femininos nus que desenhava. Ainda eram mulheres unanimemente deslumbrantes. Mas podiam ter cachos, curvas, pelos, podiam não ser de plástico.
Visto calça 44, 46. Um dia desenhei uma mulher mais gorda do que eu e sinceramente a achei bonita. Oscilando entre autora e público, pensei: “se ela é bonita, porque eu não seria?”. Essa espécie de epifania mudou não só meu lado artista, mas também a relação que tenho com meu corpo. Já fiz vários tipos de dietas, já escolhi atividade física considerando não qual seria mais divertida pra mim, mas sim sua suposta eficácia em queimar calorias. Já pesei menos (e mais) do que peso atualmente e sem sombra de dúvidas sou mais feliz com meu corpo hoje.
Eu acredito na frase feita de que o nosso corpo é um templo, e por isso devemos mantê-lo saudável. Ser saudável é praticar exercícios e alimentar-se de forma equilibrada, mas também é admirar o próprio corpo e amá-lo. Não me venham dizer que fazer dietas malucas (muitas vezes à base de alimentos artificiais), medicar-se com redutores de apetite e submeter-se a cirurgias plásticas é tratar o corpo bem. Isso não é cuidar dele, é puni-lo por ser autêntico.
Ter fisionomia e formato corporal só dele tornam o desenho mais especial. Porque o mesmo não se daria com as pessoas? Porém, às vezes um nariz grande, uma barriga protuberante soam como ruído, como se aquilo não fosse a representação de uma pessoa, mas a representação de uma pessoa com nariz grande. Quem sabe um dia elogiem um desenho meu com um “que moça bonita”, em vez de “que gordinha bonita”. 
Desenhar gordos não significa dizer que só esse tipo de corpo é bonito. Aliás, o que é um “tipo de corpo”? Existem tantos tipos de corpos quanto existem pessoas na Terra. Mesmo que as mulheres que eu desenho não tenham todas meu manequim, agora que estou mais feliz e mais autoconfiante, posso dizer que hoje também me inspiro no meu corpo.
Tento fazer alguns exercícios de procurar o que eu acharia belo se culturalmente já não me tivessem dito o que devo achar. Não é fácil e sequer tenho certeza de que consigo ser completamente sincera comigo mesma. Mas uma coisa eu tenho certeza: nosso corpo é uma coisa magnífica. E nem estou falando sobre funcionamento dos órgãos ou sobre nossa capacidade cognitiva. Estou dizendo esteticamente, mesmo. As proporções, as cores, as curvas e formatos. Quando você desenha uma pessoa, você passa sentimentos, pensamentos, ideias através daquele corpo, com seus gestos e expressões. A parte interna de uma pessoa é muito importante, mas na vida é somente através do exterior que podemos ter contato com o todo.
Na História da Arte, o corpo humano é tema sempre presente. É possível ficar horas olhando um retrato feito pelo seu artista preferido, mas muita gente mal consegue se encarar por alguns segundos num espelho de corpo inteiro. Não é estranho? Eu não sou uma artista famosa nem nada, mas trabalho para que quem veja meus desenhos não só os ache bonitos, como passe a ver beleza em seu próprio corpo, passe a amar cada uma das suas “imperfeições”. Porque nosso corpo é muito melhor do que uma foto publicitária photoshopada. Nosso corpo é uma obra de arte.
Continuo buscando o belo em vários tamanhos e formatos. Ainda é uma busca – tenho preconceitos na vida e na arte, mas estou tentando superá-los. Muitas vezes não consigo enxergar além do padrão e automaticamente considero que alguém é feio ou feia; volta e meia rabisco uma pessoa com aquela beleza irreal e sem graça; de vez em quando tento encaixar meu corpo num padrão. Mas uso meu trabalho para tentar mostrar o belo que estava invisível pras pessoas e pra mim mesma.




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