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GUEST POST: CARTA ABERTA AOS MEUS ABUSADORES
Este post da V. foi publicado neste final de semana no blog Nada Disso é Normal. Aí ela mandou pra cá.
Caro leitor, cara leitora, inicio esta carta aberta avisando que talvez ela se mostre mais confusa do que eu, com talvez algumas referências que apenas eu ou pessoas específicas entenderiam. Peço desculpa anteriormente pela crueza de alguns relatos. Por que escrevê-la, então? Porque existem algumas coisas das quais não se pode fugir por tanto tempo –- por quase 15 anos, no caso. Também como forma de convite para que todos olhemos para o nosso passado e finalmente nos resolvamos com algumas pendências, ao invés de continuarmos correndo incessantemente. Eu te entendo. Vai ter uma hora que esse algo sempre vai aparecer ali, esperando para ser dito em voz alta pra alguém, e estragar um momento especial como já estragou o seu passado. E o seu ano. E o seu mês. E o seu dia. Enfim.
Voltemos aos meus dois –- ou três, ou quatro; essa lembrança é tão confusa que às vezes me pergunto se ela é real e se você, aos 18, seria capaz disso. Quem diria que você, sangue do meu sangue, meu primo, um dia seria capaz de abusar sexualmente de mim, praticamente um bebê? Não lembro quanto tempo durou, não lembro o que você fazia, além de perguntar se você abusaria de mim aquele dia, já que “era gostoso”, de perguntar o que era aquilo depois que você gozava. O pior de tudo foi perceber depois de entendida que aquilo que você fazia comigo não era gostoso ou muito menos certo. Foi ruim ter que brigar com a nossa avó que te acobertou sob a desculpa de que você fazia aquilo por estar utilizando drogas na época. Nada, NADA justifica o fato de eu ter que conviver com você hoje em dia como se eu não me lembrasse de nada; o fato de você ter marcado o meu subconsciente tão profundamente a ponto de eu encarar o sexo apaticamente e sentir dor ao invés de prazer. Espero que isso te atormente tanto quanto me atormenta. A necessidade de explicar o que aconteceu toda vez que eu me envolvo com alguém nunca será perdoada. Agora caminhemos para os meus seis anos, na descoberta do que era sexo, onde a meu ver prostituta era a melhor profissão do mundo, já que causava a “sensação gostosa” -– sim, graças a você minha infância foi tomada por sexo, mesmo sem eu ter a mínima noção do que era. Caminhemos para os meus doze ou treze anos, quando ao conhecer minha primeira praia brasileira, você, meu tio, dessa vez “do outro lado” da família, achou que seria de bom tom abusar de mim também. Já tinha sido por um, por que não por outro? Ainda consigo me visualizar sentada na parte rasa do mar e você, atrás de mim, de bruços apoiado nos cotovelos e rindo, enquanto punha uma mão na minha coxa e o seu dedo menor discretamente me acariciava por cima da calcinha do biquíni. Felizmente, por poucos segundos. Infelizmente, na frente dos meus pais, o suficiente para me mostrar que não, eles não vão te proteger de todo mal do mundo. Indescritível a minha sensação de terror e impotência. Quem diria que essa era a sua intenção com aquela menina que você carregava no colo, a “Lolita do titio”? Não culpo vocês, meninos de nove a onze anos, que aos meus catorze anos passaram quinze minutos me seguindo e se alternando para passar a mão no meu corpo enquanto eu, desesperada, andava o mais rápido que eu podia e procurava alguém que pudesse me ajudar. O medo de bater e apanhar. O medo de chamar o meu pai e ele fazer algo ruim. O medo de correr e vocês correrem atrás. Ainda lembro o meu alívio quando vi aquela moça que perguntou por que vocês não estavam na escola e novamente a sensação de impotência quando um de vocês respondeu “Que escola? Escola pra gente é cama”. Culpo o garoto de maior, que certamente influenciou vocês a fazer isso, o único a não tentar me tocar, o voyeur. Crianças são seres tão fáceis de se influenciar. E você, o primeiro a entrar no meu corpo com permissão, que se aproveitou da minha carência -– não tive meu pai por 7 anos, um péssimo relacionamento com a minha mãe e agora com a minha avó por não acreditar que ela escondeu o meu abuso –- e logo em seguida me mostrando a próxima garota com quem você transaria, dizendo que eu não podia reclamar, pois não “sou dessas”. De você, não guardo boas lembranças. Aproveito e desde já peço desculpas aos que virão -– ou aos que já vieram. Pela minha carência, pela minha insegurança, pela minha dor, pelo meu medo de amar, pela minha dificuldade em me abrir, pelo meu medo de que vocês não queiram nada comigo, afinal, quem quer alguém com problemas? Pelo “V., você pula fora de relacionamento antes que dê merda”. Pelo meu orgulho, que não aceita a ideia de que as pessoas tenham pena de mim -– mas o que sentir além de pena? Ao leitor/a que me acompanhou até aqui, o meu mais sincero obrigada. Se você tem algum problema não resolvido no passado, pare de evitá-lo e converse com alguém. Pode ser um amigo, pode ser com você mesmo, pode ser até comigo. Não deixe pra depois. Esse é um texto que eu venho planejando desde novembro de 2015 e nunca me senti tão aliviada. Mais uma vez, obrigada.
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