GUEST POST: CASAS NOTURNAS, O PERIGO QUE NÃO VEMOS
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GUEST POST: CASAS NOTURNAS, O PERIGO QUE NÃO VEMOS


Na semana passada, quando escrevi sobre a falta de respeito dos "engraçadinhos" com a tragédia de Santa Maria (já são 237 os mortos na boate Kiss), a Julia deixou um ótimo comentário. Pedi pra que ela falasse mais sobre a segurança -- ou falta de segurança -- nas casas noturnas, pois ela e o marido trabalham no meio. O que ela conta é estarrecedor. E claro que não está restrito apenas ao Rio Grande do Sul (aliás, nem ao Brasil, imagino).

Me chamo Julia, sou de Porto Alegre. Por aqui, no Rio Grande do Sul, qualquer um pode imaginar como está o clima. Essa tragédia é algo no qual é impossível não pensar. Pena se tratar de uma tragédia anunciada.
Eu e meu marido trabalhamos nas casas noturnas daqui de Porto Alegre e do litoral gaúcho há muitos anos, o suficiente para conhecermos dezenas delas. Nesse meio poucos ganham bem, então os trabalhos extras são frequentes. Tu trabalhas sexta e sábado numa casa, domingo noutra e terça um amigo te chama pra trabalhar na terceira.
Gostaria de agradecer a possibilidade de contar um pouco sobre o que vemos nas casas noturnas e passa despercebido por seus frequentadores. Estes, não estão ali para inspecionar saída de emergência. Estão ali para poder se divertir, e só. A existência de uma saída de emergência é seu direito, não deveria ser sua preocupação. O extintor de incêndio não é com o que me preocupo quando quero ser jovem em uma noite entre amigos!
Tive um gerente que disse uma vez que para o cliente, a bebida deveria se materializar estupidamente gelada, dentro do freezer. Em outras palavras, as pessoas estão lá para se divertir, não têm que saber o trabalho que dá por 4 mil cervejas long neck para gelar, nem o que aconteceu para que estas não estivessem geladas o bastante.
Elas não têm que se preocupar com o "modus operandi", com a validade do extintor, com o material inflamável recobrindo o teto. Essas preocupações devem ser de outras pessoas. Daqueles que estão lá para garantir a felicidade da sua festa e seu retorno pra sua casa quando a música parar.
No último domingo choramos muito, nos colocamos no lugar destes pais, pois temos filhos, empatia por outros seres humanos e vivemos neste tipo de ambiente há bastante tempo. Depois do choque ao ver as imagens e saber da notícia, começamos a conversar sobre os nossos muitos locais de trabalho nesse ramo, e chegamos a conclusão de que NENHUMA casa das que conhecemos estaria preparada pra esse tipo de "acidente". Listo as semelhanças.
O fato de haver apenas uma saída (que se destinava também a entrada de clientes) é bastante comum. Saídas de emergência são raras. Quando existe alguma saída alternativa, parece piada, como uma no primeiro bar em que trabalhei, que ficava em uma janela do terceiro andar... sem escada do lado de fora. Ou seja: se os bombeiros demorarem para chegar, pode não servir pra nada.
O uso de sinalizadores virou uma febre por aqui. O garçom leva a bebida (cara) do cliente até a mesa com um destes aceso, preso à garrafa. Todos acompanham o showzinho, acham o cara "o ricaço", e este continua gastando bem, para manter o exibicionismo. (E eu que achava que o risco seria que uma faísca caísse no rosto de um cliente. A palavra tragédia ganhou outra dimensão. Como fui tolinha!).
Os seguranças normalmente são terceirizados, e mesmo bem mal pagos, muitas vezes tiram desse tipo de atividade seu sustento. Deixar um cliente sair sem pagar pode colocá-lo nas estatísticas de desemprego no país na próxima semana. Fora que o segurança da portaria fica na porta a noite toda, não tem como saber o que ocorre dentro da casa. A não ser que se utilizem rádio para comunicação, fato pouco frequente. Por isso as pessoas seriam barradas na porta em um primeiro momento.
Alarme de incêndio? Sinceramente, nem sei se é obrigatório, já que ele só pode ser ouvido se a música pára. Em um ambiente com um som mais baixo, até poderia funcionar, mas no som ensurdecedor de uma casa noturna? Julgo ser impossível.
Alguns depoimentos citam uma possível superlotação no local. Alguém pode imaginar quantas vezes meus gerentes queridos superlotaram o estabelecimento? O atual gerente do meu marido nunca diz a ele o real número de clientes na casa, pois ele é o responsável por barrar a entrada de mais pessoas. O lucro é garantido, a segurança manda um abraço.
Ter vários ambientes é visto como algo maravilhoso, fato sempre citado nos sites destes estabelecimentos, mas faz com que uma casa noturna se torne um verdadeiro labirinto. Os clientes que saíram de lá no domingo passado, antes de chegar à saída, passaram por outra porta, bem estreita, que delimitava o primeiro ambiente (ao qual quem estaria na rua/portaria teria contato).
Quanto ao alvará, inúmeros são os locais que não o possuem ou não conseguem renová-lo, mas permanecem funcionando. Isso acontece pois a multa decorrente pode ser paga tranquilamente (quando ocorre a rara fiscalização), e o lucro de uma noite é grande.
Luzes de emergência e sinalização na saída já vimos bastante, digamos que na metade dos locais em que estivemos.
Lola, tudo isso nós consideramos comuns, baseados somente nos locais em que eu e meu marido trabalhamos. Algumas, sendo consideradas as casas noturnas mais badaladas de Porto Alegre e litoral gaúcho. Podem haver muitas exceções por aí, mas os erros da Kiss se repetem em muitas, muitas outras.




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