GUEST POST: COMBATER AS OPRESSÕES, NÃO A VIDA ESTUDANTIL
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GUEST POST: COMBATER AS OPRESSÕES, NÃO A VIDA ESTUDANTIL


Angélica, que concluiu sua dissertação em Londres com distinção (sobre a privatização da água na Bolívia em 2000), e está cheia de planos para o doutorado (vai falar de Belo Monte), estudou na Universidade Federal de Ouro Preto durante cinco anos, entre 2003 e 2008. 
Diz ela: "Longe de mim defender macho criminoso e práticas imbecis reiteradas. Mas é necessário que se pondere. Há coisas maravilhosas desse sistema de Ouro Preto e a vivência na universidade que colidem com relatos tão parciais". Então vamos a sua opinião:

O meu relato é sobre o que lutar contra, para que tenhamos grandes resultados. Falar de Ouro Preto envolve um universo de contradições; espero colaborar com a luta e com a discussão.
Quando li o guest post sobre trote em Ouro Preto, já imaginava o que estaria por vir. É complexo e terrível o relato, e piores são as denúncias sobre violação de direitos humanos relacionados às festas de Ouro Preto. Há fatos dramáticos da história institucional das repúblicas de Ouro Preto relacionados à opressão. Houve óbitos de moradores de repúblicas que foram imediatamente associados ao consumo de álcool e outras drogas.
Trote na UFOP
Acredito que a fama que se fez ao longo dos anos impede qualquer outra versão midiática dos fatos, mesmo que apurados e desvinculados. De fato, temos mais é que denunciar mesmo e dar visibilidade. Chega de opressão de qualquer forma no espaço pensante de mais alto nível da vida acadêmica: a casa. Onde estudantes moram, comem, dormem, dividem experiências, estudam, conversam, conflitam, fazem amigos e festas, aprendem a viver essa etapa da vida e essa instituição republicana. Não pode haver opressão.
Eu morei em uma república de Ouro Preto, a Rebu –- a primeira república federal para mulheres, fundada em 1975. Até então, havia poucas casas femininas, e as "repúblicas federais" eram exclusivamente masculinas (é importante mencionar que as repúblicas não recebem fomento público para manutenção e moradia. As repúblicas federais, onde não se paga aluguel, pertencem à universidade, mas tiveram diversas formas de aquisição e foram doadas. A mais recente forma de surgimento de repúblicas federais foi feita pela própria comissão de repúblicas, e novas casas públicas vêm sendo construídas. Existem também repúblicas particulares e o alojamento da universidade). 
A Rebu foi conquistada com a luta de grandes mulheres que, em plena ditadura militar, estudando curso superior fora de casa, resistiram a uma rocha machista quase inquebrável. Tanto a instituição da universidade quanto todos os aspectos da vida na cidade eram (e são) machistas. Falo sobre a Rebu porque nela vivi maravilhosos anos, que edificaram meu caráter. Apesar de o ambiente estudantil de Ouro Preto não se restringir absolutamente às repúblicas, a casa onde morei fez grande diferença na minha construção pessoal e na luta política e social de Ouro Preto.
Como em qualquer instituição, as repúblicas têm liberais e conservadores. Exercitando a “difícil tarefa de se amar a democracia”, é de se perceber nítidas mudanças comportamentais nas gerações republicanas. Me formei em 2008 e, sempre que volto à casa, fico impressionada com a capacidade de reflexão e o brilho das atuais moradoras, a constante discussão política e a necessidade de criar novos mecanismos de relacionamento na vida republicana. 
Eu sou otimista, vejo que a força dessas repúblicas e suas práticas vêm amadurecendo com o tempo. Mas não é suficiente. Precisa de mais gente atuando firme para que essas mudanças aconteçam. Precisa da universidade, dos movimentos, de agentes externos para apoio e construção. Alguns republicanos podem até ser ignorantes à gravidade da situação, mas tem mais gente boa do que gente ruim, faltam lideranças para essas mudanças. 
Esse sistema é carente de apoio público, que deve ter a iniciativa de dialogar com essas repúblicas para a construção. Pela característica sazonal dos moradores, que ficam o período da graduação na república, as mudanças a longo prazo requerem mais participação para enfrentar as práticas danosas, sem desconfigurar as características fundamentais da instituição: a inclusão, o legado, a autonomia, a história e interação positiva dessas casas na vida da cidade, a possibilidade de participar dessa moradia estudantil absorvendo as grandes lições de vida coletiva.
Lendo relatos como esse, é de se pensar sobre quem mora nessas repúblicas, por que agem dessa forma, quem são os estudantes da universidade federal que mantêm ou negligenciam esses relatos, se foram realmente negligenciados por todas e todos. Há centenas de repúblicas femininas em Ouro Preto, há milhares de mulheres. É falso generalizar: nesse combate, devemos atingir os opressores e descobrir simpatizantes. Em caso de abuso de qualquer forma, as mulheres devem se unir. 
Pode soar romântico de alguma forma, é preciso muita educação humanista e paciência histórica, mas cada vez mais estamos falando de conscientização para fortalecer a luta. Como instituições históricas, de gestão e financiamento próprios, com suas práticas reiteradas, importantes para a cidade, as repúblicas têm muito a oferecer na luta para combater opressões. São força por si, protagonistas numa mudança que acontece lentamente todos os dias por dificuldades às vezes em até alcançar o discurso feminista e de inclusão, perante todo o machismo e abuso que se pratica na sociedade.
É importante pontuar que existe muita gente que considera que abusos são tradições, ou são liberdade de discurso, que o politicamente correto chegou para dar fim à toda aquela época de outrora em que bom mesmo era fazer piadinha com oprimido e, de alguma forma, exercer poder. 
Os ídolos dessa galera são esses Jackass Gentili que viram um filme americano sobre os colleges e se empolgaram. Não é só em Ouro Preto que se justificam opressões com tradição, mas para mim é muito difícil compreender que na cidade onde mais se prega a liberdade, continuamos mantendo essa gente tão careta e covarde.
Meu argumento é que os pretextos não sejam contra as repúblicas ou a vida estudantil de Ouro Preto, mas ao machismo institucional, à verdade que tanto se nega sobre quebra de preconceitos que vem à tona. É difícil melhorar o sistema. É uma pedra que se rola morro acima, por enquanto. Os movimentos feministas já foram até Ouro Preto protestar e questionar, mas acredito que devem ter mais sororidade com as mulheres que moram nessas repúblicas, de forma a buscar um entendimento do que de fato acontece, como se enfrenta e de onde sairão as soluções. 
Muitas das estudantes ainda estão despreparadas para o feminismo como uma luta construtiva, seja dentro da universidade, seja no comportamento estudantil. Eu tenho muito mais intuição na força conjunta das mulheres republicanas de Ouro Preto do que em ataques com a intenção de destruir as repúblicas, já patrimônio cultural da cidade.
Mulheres e homens de Ouro Preto, combatamos o machismo.

Hino da Rebu
Mexo, remexo na inquisição
Só quem já morreu na fogueira sabe o que é ser carvão
Eu sou pau pra toda obra, deus dá asas à minha cobra
Minha força não é bruta, não sou freira nem sou puta
Porque nem toda feiticeira é corcunda,
Nem toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho que muito homem
Sou rainha do meu tanque
Sou Pagu indignada no palanque




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