GUEST POST: DINHEIRO, BALADA E MULHER - O QUE O SERTANEJO UNIVERSITÁRIO DIZ SOBRE O FEMININO
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GUEST POST: DINHEIRO, BALADA E MULHER - O QUE O SERTANEJO UNIVERSITÁRIO DIZ SOBRE O FEMININO


O texto a seguir é de autoria da Mila, jornalista e comentarista frequente no blog, que já escreveu um outro guest post, também ótimo:

Antes de tudo, aviso às leitoras e leitores que não se trata de um post para proibir ninguém de ouvir e gostar de sertanejo universitário, apenas de fazer com que as pessoas comecem a pensar sobre os discursos que permeiam a mídia e a cultura brasileira e as músicas que ouvimos (gostando ou não).
Também não negaremos que a presença e a representação feminina em outros gêneros musicais não é problemática: no funk, no pop, no metal (gênero que eu mais escuto), na MPB. Todos mereceriam um post à parte. 
Escolhi falar do sertanejo universitário por ser uma vertente musical nova (anos 2000) que está amplamente presente nas rádios, na televisão, nas ruas. O sertanejo é um dos estilos musicais mais presentes entre os jovens no meio urbano. Já é o objeto de estudos acadêmicos tanto na parte de música, como de fenômeno de marketing, de cultura e de gênero.
Um dos motivos para apelo popular é a presença de artistas e públicos mais jovens, comparados ao público sertanejo romântico dos anos 80 e 90. Como utiliza elementos do rock, do pop e do axé, conseguiu romper os nichos tradicionais. Uma das estratégias de marketing também aposta na sexualização dos cantores. Transformá-los em sex symbols e marcar a performance pela sensualidade também é um dos atrativos para o público. Porém, existem exceções, nas quais os cantores fora do padrão de beleza também conseguem fazer sucesso. 
Uma das primeiras abordagens de gênero em relação à música sertaneja que tive foi numa aula de análise e opinião. O grupo de alunos analisou a música “Camaro Amarelo” (Munhoz e Mariano), que era o hit do momento. 
Eles apontaram um monte de coisas que muita gente tinha passado batido, como por exemplo, que o eu lírico da música ficou feliz com a herança do “velho” por resolver seus problemas com mulher, pois ele pôde comprar um carro de luxo e “escolher” mulher. Então, comecei a notar que o sertanejo universitário gira em três eixos principais: mulher, balada e dinheiro. Inclusive, já há estudos acadêmicos abordando esses três temas.
O dinheiro costuma aparecer no topo desses três eixos, simbolizando destaque e status, chamariz de mulheres e bens de consumo. Se “quem não tem dinheiro é primo primeiro de um cachorro” (“Vem Ni Mim Dodge Ram”, de Israel Novais) é claro  que quem não tem, não “pega mulher”. Nesta música, o personagem conta que conseguiu sucesso com as mulheres depois de adquirir uma Dodge Ram e uma Focker 280, pois a “mulherada ficou louca”. 
História parecida também foi contada em “Camaro Amarelo”, vingança à mulher que o esnobava. De posse de um carro de luxo, o sujeito agora está “doce igual caramelo”.
Mesmo quando o eu lírico da música não tem bens materiais, principalmente carro, exalta-se a capacidade dele de pegar mulheres. Em “Fiorino” (Gabriel Gava), há esse reforço de atrair mulheres mesmo com um carro popular. 
Já em “Lê Lê Lê” (João Neto e Frederico), o sujeito com o “cartão bloqueado”, “limite estourado” e que “não tem carro, tô de carona”, mesmo assim diz que pode fazer o “lê, lê, lê”, uma onomatopeia para atos sexuais.
O dinheiro também significa ir a festas boas e consumir bebidas caras. A balada funciona como meio de afogar as mágoas pegando mulheres ou como lugar fácil para pegação. “Balada”, de Gusttavo Lima, diz que “as mina pira quando a gente chega na balada, fazendo rodinha com copinho de cachaça”. 
A expressão “as mina pira” também é usada na música “As Mina Pira” de Fernando e Sorocaba para se referir a uma festa no “apê do Guarujá” onde as mulheres vão beber e daí vai ficar “fácil de pegar”. 
É constante aparecer situações em que o sujeito vai para a balada como forma de esquecer um relacionamento e se gaba de estar rodeado de mulheres. Em “Beijo me Liga” (Michel Teló), o cara diz que a mulher o esnobou e que agora ele está curtindo a noite. 
Mas o foco não é conquista amorosa como na geração anterior do sertanejo, marcada pelo romantismo e a “dor de cotovelo”. É uma conquista sexual, conforme as onomatopeias e expressões usadas para isso: “Eu quero tchu, eu quero tchá” (João Lucas e Marcelo), "Bará, Berê" (Cristiano Araújo), ou "Lê Lê Lê". 
Em “Chora, me liga” (João Bosco e Vinícius), ressalta-se que o personagem não quer se apaixonar e sim ficar. No entanto, a mulher com quem ele fica se apaixona e chora e implora por seu beijo de novo. 
Em “Dez Mandamentos do Amor” (Eduardo Costa), o personagem da música lista dez mandamentos para “conquistar uma mulher”. Porém, é revelado no final da música que a intenção é apenas sexual, pois ele promete ligar no dia seguinte e deixa a moça esperar.
Divulgação de shows sertanejos
“Mulher”, no sertanejo universitário, também é um conceito restrito. As mulheres objetificadas nas letras estão dentro dos padrões de beleza, conforme podemos ver nos videoclipes sertanejos. Em “Turbinada” (Zé Ricardo e Thiago) a mulher é gostosa por ter seios e bunda avantajados. Já em “Balada Boa” (Munhoz e Mariano), um dos homens, depois de uma noite de balada, acorda ao lado de uma mulher feia e demonstra arrependimento por ter bebido demais.
Há autores que acreditam que consumo, sexo e mulher estão ligados à mudança de contexto social da classe média C. No entanto, é possível ver que o ser humano, mulher, é mais um objeto de ostentação, na mesma categoria que carros, bebidas ou apartamentos. A mulher, assim como em outros gêneros musicais ligados ao conceito de “ostentação” (funk ostentação, alguns tipos de forró estilizado, sertanejo universitário) não está no papel de sujeito e sim no de seguidora.
Há a repetição exagerada e homogênea de velhos preconceitos e paradigmas que não mais condizem com a mulher atual, ou pelo menos com a mulher que trabalha e é independente. Repete-se o conceito de mulher-objeto, fútil, interesseira, que se atrai facilmente por carros ou dinheiro. A mensagem é que o homem que tem recursos materiais pode pagar por essas mulheres e descartá-las, afinal, elas não passam de um produto a ser consumido.




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