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GUEST POST: MODA, CORPO E CONTROLE
Patty Kirsche está quase terminando seu mestrado em Estudos Culturais na USP.
Ela, que tem um blog, já escreveu alguns ótimos guest posts pra cá, como este sobre vampiras e sexualidade, e este, sobre a Marcha das Vadias de Guarulhos. Agora ela me enviou algumas observações sobre moda, um tema bem pouco discutido aqui no blog.
Quando a Lola pediu que eu escrevesse um guest post sobre moda, passei um bom tempo pensando em qual recorte eu daria, já que é um assunto tão amplo. Como se trata de um blog feminista, decidi abordar duas questões bastante relevantes para as mulheres: o tratamento que a carreira recebe por ser vista como feminina e o quanto os padrões da moda influenciam na construção dos corpos.
Moda, uma carreira feminina?
Quando prestei o vestibular para o Bacharelado em Têxtil e Moda na USP, as matérias da segunda fase eram Português, História e Física. O curso em si é bastante abrangente. As disciplinas são basicamente divididas entre quatro áreas: gestão, tecnologia, criação e cultura.
O termo moda não se refere simplesmente a indumentária, mas a costumes que se tornam frequentes. É como a ideia de moda em matemática. Do mesmo jeito que a forma como conduzimos a aparência do corpo é influenciada pelos costumes das sociedades em que vivemos, outras questões também são. Os lugares que frequentamos, o que fazemos para lazer, os produtos culturais que consumimos, as gírias que usamos, tudo é influenciado pela moda.
No momento estou fazendo mestrado, e minha pesquisa não é centrada em moda; o estudo dos figurinos acabou se tornando um instrumento de análise.
Mas eu sou apaixonada pelo tema e refuto veementemente as tentativas de tratar moda como algo fútil. Em todas as culturas os corpos usam adornos; comunicar uma mensagem através da aparência parece ser uma necessidade humana. Mesmo assim, os estudos da moda são tratados como de menor valor. Por quê? Minha turma tinha sessenta vagas, com algumas poucas ociosas devido a desistências. Apenas quatro delas foram ocupadas por homens, sendo que três deles eram homossexuais assumidos. Exato, havia apenas um homem heterossexual na sala.
Percebo que essa predominância de mulheres e homens gays na carreira contribui na formação de preconceitos contra o curso. Chamar um homem de gay ou de mulher é uma forma de ofendê-lo. Vejo pessoas chamando o time de futebol SPFC (São Paulo) de SPFW, numa alusão à semana de moda de São Paulo. E a intenção é que isso seja ofensivo, por incrível que pareça. Existe uma tendência ideológica a se depreciar tudo que é entendido como feminino. E, nesse caso, acredito que também exista uma alusão à ideia de que um homem gay é visto como "afeminado".
Algumas amigas minhas foram ridicularizadas ao assumirem cargos públicos. Uma delas foi nomeada para um cargo no zoológico e ouviu o comentário: "Você vai desenhar roupa para os macaquinhos?".
Eu não cheguei a ter minha formação ridicularizada, mas topei com um violento desdém ao mencionar para um colega de trabalho que havia feito prova de Física na segunda fase: "Pra que você ia precisar de Física?". Ora, as máquinas da indústria têxtil seguem leis diferentes só porque há mais mulheres cursando minha graduação? Sabe, isso me lembra uma propaganda ridícula da Faculdade de Engenharia Industrial, na qual alguém aparecia desdenhando cursos que costumam atrair mulheres: "se você escolhe faculdade pelo número de meninas por metro quadrado, vá fazer Psicologia, Moda, Decoração etc".
Corpo
O corpo é uma questão muito importante na moda. Fala-se muito na questão da magreza das modelos, o que certamente é um problema. O manequim padrão para provas de roupas é 38, às vezes até 36. Só que as modelos "têm" que ter mais de 1,65 m de altura, e para desfilar, precisam ser mais altas ainda. Mulheres altas precisam estar muito magras para se enquadrar no manequim 38.
Fora isso, aqui no Brasil temos a falta de um método oficial antropométrico, o que leva marcas diferentes a terem cada uma seus próprios tamanhos. Então pode ser que numa loja o M sirva, mas em outra seja o G. Ou pode ser o 38 numa marca, mas o 40 em outra. Existem inclusive marcas cujo 44 é pequeno de maneira intencional, porque as pessoas cujo manequim é 44 não são o "público alvo" da marca.
É impossível não notar o quanto toda essa preferência por mulheres magras pode acarretar transtornos alimentares como anorexia e bulimia. Mas o que é inegável é o quanto existe uma tendência a se exigir uma contenção do apetite feminino, tanto no sentido literal quanto no figurado. Ora, mulheres devem evitar sexo para serem aceitas socialmente, mas mulheres também devem evitar comer para que se mantenham magras. É como se o prazer não fosse direito das mulheres.
Eu entendo que a indústria da moda tem um papel importante no que se refere à corporeidade. Uma roupa pode aceitar ou recusar um corpo, moldá-lo ou ser moldada por ele. A moda por si só já condiciona costumes e constrói mentalidades. Mas, por outro lado, o público já está condicionado a modelos de corpo pré-estabelecidos. Então topamos com uma questão Tostines, pois a cultura também forma a moda.
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