GUEST POST: O TOPLESSAÇO QUE NÃO DEU MUITO CERTO
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GUEST POST: O TOPLESSAÇO QUE NÃO DEU MUITO CERTO


Manifestante pinta o corpo

Ontem de manhã aconteceu em Ipanema um toplessaço. Marcado na internet, com mais de 9 mil pessoas dizendo que iriam participar, pouca gente acabou indo (mas tampouco é verdade que havia apenas dez manifestantes). Por isso, e por causa da reação conservadora, creio que não muita gente diria que o evento deu certo. 
O toplessaço foi organizado por uma jovem atriz e produtora de teatro que ficou indignada porque ficar sem a parte de cima do biquíni (só para mulheres, evidentemente) ainda é considerado atentado ao pudor. Nosso Código Penal já tem 70 e poucos anos, e é óbvio ululante que está ultrapassado. 
Enquanto topless é muito comum nas praias de países ricos, aqui -- país do carnaval e da nudez na TV -- ele é crime. E não é só a lei que está ultrapassada, é a cultura. Eu me lembro quando, na década de 80, homens se reuniam para agredir com vaias, assédio e ameaças as poucas mulheres (muitas delas estrangeiras) que ousavam fazer topless em praias cariocas. Saía no jornal. A polícia precisava intervir. A julgar pela reação dos homens ontem, parece que pouca coisa mudou em três décadas.
Este ano eu fui a uma praia de nudismo, em Tambaba. Ainda não tenho certeza se é confortável ficar sem a parte de baixo do biquíni, mas tirar a parte de cima realmente dá uma bela sensação de liberdade. Liberdade que, por uma questão puramente machista, só os homens têm. Só pra lembrar: homens e mulheres têm peito. Homens e mulheres têm mamilos. Embora peitos e mamilos possam ser zonas erógenas pra homens e mulheres, apenas nas mulheres eles são vistos como partes do corpo meramente sexuais, que devem ser cobertas. Ou expostas em comerciais de cerveja. 
Mariana, uma recém-formada de 22 anos, foi ao toplessaço ontem. Quando lhe perguntei o que a motivou a ir, Mariana respondeu:

"Eu fiz um trabalho sobre Eugênia Álvaro Moreyra, falei sobre o apagamento dos movimentos sociais na mídia em minha monografia, e estou lendo o livro 1968 - O Ano que Não Terminou, do Zuenir Ventura. Digo isso porque foram motivações que me levaram à manifestação. As transformações sociais não 'surgem', elas são resultado de um processo histórico do qual fazemos parte. 
É porque Eugênia Moreyra usava calças, é porque Leila Diniz usou biquíni quando estava grávida e deu aquela entrevista para o Pasquim, é porque Maria Lúcia Dahl experimentou um casamento 'moderno'... Todas, em seu tempo, sofreram consequências de suas ações, mas é também graças a elas que hoje nós podemos usufruir das consequências de suas ações. É olhar para trás e agradecer a essas mulheres, e no nosso tempo também esticar os limites, para que as próximas mulheres possam respirar com mais folga.
Basta um mergulho no mar para perceber que o meu biquíni não é para mim. A cada onda que passa eu me olho para ver se não está nada 'fora do lugar'. O biquíni não é para mim, é para o outro que me olha. O meu corpo não é meu. Reclamar o direito de fazer topless na praia é reclamar meu corpo de volta para mim. É ressignificar o corpo da mulher. E é aproveitar a praia."

Eis seu relato:

Gostaria de te mandar minhas impressões sobre o toplessaço de Ipanema, que se concentrou em frente à rua Joana Angélica.
Não conheço as organizadoras, e achei que teria muito mais mulheres. Acho que o céu nublado e a quantidade de urubus afastou muita gente.
Fui com uma amiga, quando chegamos só vimos uma aglomeração ENORME de... homens!
Imagina o carnaval. Agora sem música e sem mulheres.
Olhamos para o lado e uma família curtia a praia, rindo da situação. Nem a filha deles, de uns 4 anos de idade, estava sem a parte de cima.
Tinha UMA mulher sem a parte de cima sentada numa canga com uns amigos homens pintados. Mas eu não consegui vê-la por causa da aglomeração ao redor. Parecia que alguém tinha se afogado. Não. Parecia que uma Panicat tinha se afogado.
Ambulantes gritando "Olha o mate! Olha o mate geladinho! Olha o peitinho geladinho! Olha o mate!"
Nós conversamos com umas cinco mulheres que claramente estavam ali pro protesto, mas ficaram horrorizadas demais para tirar a parte de cima. Elas disseram que chegaram cedão, e já estavam lá as câmeras de TV.
A multidão se locomovia junto, feito bloco de carnaval mesmo, quando outra mulher resolvia tirar a parte de cima. Como se tivessem coreografado e ensaiado, o bloco de homens se deslocava em direção à próxima vítima de UHULs, OPAs e TIRA!TIRA!TIRA!s.
Dá pra imaginar os comentários que a gente escutava, né?
Resolvemos curtir um pouco a praia perto da Farme de Amoedo e dar um tempo para ver se as coisas se acalmavam. Mas mesmo lá a gente percebia uns olhares dos homens, como se, sabendo do que estava acontecendo ali do lado, eles esperassem que a gente tirasse o top a qualquer momento.
Um ambulante nos abordou pra falar que as mulheres estavam precisando de uma força lá, que era pra gente ir porque íamos "fazer sucesso". 
Voltamos e o clima estava ainda muito pesado. Um bafo de cerveja no ar.
A minha vontade era sair gritando e distribuindo panfletos, ou distribuir, pelo menos, o endereço do Youporn pra eles.
Tinha muito de infantil no comportamento deles. Acho que essa é uma das coisas que acontecem quando uma criança envelhece sem amadurecer. A criança acha que é adulta. As crianças envelhecidas podem ser perigosas.
Quando estava indo embora passo do lado de um carinha com cara de doido bêbado e ele me sussurra: "Mostra o peitinho aí".
Claro que ia ter gente escrota na praia. Claro que iam ter câmeras de TV. Claro que ia ter babacas com celular tirando foto.
Ainda assim eu fiquei surpresa, me senti hostilizada e intimidada.
Não deixei de me manifestar por vergonha -- foi intimidação.
Por um lado, isso só mostra o quanto essas manifestações são necessárias. Por outro, acho que temos que rever nossas estratégias.




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