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GUEST POST: PRA QUE(M) SERVE O TEU TROTE
Reunião do DA e Grupo de Estudos Feministas de Letras UFRGS
Todo início de ano é igual: as aulas começam nas universidades, e trotes que perpetuam preconceitos ganham as manchetes. É terrível que esses trotes sejam vistos como "integração", e que ocorram logo em espaços que deveriam ser de total combate às discriminações. Publico aqui o email que recebi de uma integrante do Grupo de Estudos Feministas da Letras da UFRGS:
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Trote de Engenharia Civil na UFRGS no ano passado incluiu uma cabeça de porco |
"Iniciamos mais um ano letivo e, como é sabido, acontecem os trotes dos cursos nessa época. Infelizmente, é comum assistirmos a reprodução das mais variadas opressões, como machismo, racismo e homofobia, durante os chamados 'momentos de integração'.
No dia 26 de fevereiro, ocorreu o trote da Engenharia Metalúrgica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e, como é costume dos veteranos desse curso, foi incitado aos calouros que gritassem em frente ao prédio de Letras a seguinte frase: 'Letras, puteiro, mulher para engenheiro'.
É importante lembrar que esse grito, que ecoou na frente do prédio da Letras, não atinge um prédio ou um curso, atinge pessoas. Mulheres. Mulheres que não estão na Universidade para servir sexualmente aos homens de quaisquer cursos. O lamentável ocorrido gerou um debate interessante entre xs estudantes e, prontamente, o diretório acadêmico e o grupo de estudo e discussões feministas do curso de Letras se mobilizaram. Foi marcada uma reunião para o dia 27 de fevereiro, na qual ficou decidido que iniciaríamos nossa luta através de uma carta aberta direcionada ao Instituto de Letras, à Escola de Engenharia, ao Centro de Estudantes Universitários da Engenharia, ao Diretório Central de Estudantes e à Reitoria da Universidade.
Também convocamos uma nova reunião para o dia 6 de março, às 9h10 no Campus do Vale da Universidade, na qual serão confeccionados cartazes e debatidos nossos próximos passos.
Assim, nós, alunas e alunos da Faculdade de Letras e demais apoiadores, pedimos a reflexão da comunidade acadêmica, assim como um pedido formal de desculpas e o comprometimento sincero dos cursos em não reproduzir mais essas ofensas em seus momentos de integração."
Carta aberta do Centro de Estudantes de Letras, Grupo de Estudos Feministas da Letras e estudantes do curso à comunidade acadêmica da UFRGS.
A opressão age de tal forma na nossa sociedade que atitudes opressoras podem facilmente ser naturalizadas e passarem despercebidas. A sociedade regida pelo patriarcado reforça a ideia de que há papeis a serem desempenhados por certos grupos de indivíduos e, com isso, reproduz e não rompe com a lógica das opressões. A luta histórica de ruptura com esse estado de coisas, muitas vezes é abafada e secundarizada; entretanto, os estudantes de Letras se unem para dar um basta à opressão dentro da universidade.
Todos os anos, nesses meses de volta às aulas, a opressão é escancarada e, na cabeça de algumas pessoas, transfigura-se em “brincadeira” de integração dos calouros ao curso: o chamado trote. No entanto, está bem claro que essa noção de “brincadeira” é, na verdade, a opressão naturalizada, uma reprodução daquilo com o que, fora da universidade, a maior parcela da população sofre todos os dias: o machismo, o racismo e a homofobia. Lembramos que a expressão máxima dessa opressão são as violências físicas sofridas pelos grupos oprimidos, como espancamentos, estupros e assassinatos, dessa forma, entendemos que a reprodução desse discurso de ódio passa bem longe de ser “brincadeira”.
No dia vinte e seis de fevereiro de 2014, os veteranos da Engenharia Metalúrgica aplicaram o trote aos calouros e, ao chegarem ao lado do prédio de aulas do curso de Letras, pararam e cantaram uma música já conhecida pelos e pelas estudantes do curso: “Letras, puteiro, mulher pra engenheiro”.
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Reunião Letras UFRGS em 27/2/14 |
Nós, homens e mulheres estudantes, muitos trabalhadores e trabalhadoras, compreendemos que essa música expressa uma opressão que deslegitima o espaço da mulher na Universidade, na medida em que reforça o papel que o patriarcado impõe à mulher historicamente, isto é, como um objeto a serviço do homem e presa a uma moral sexual que se aplica somente ao sexo feminino. Assim, depois de anos escutando não apenas nos trotes das engenharias, mas presenciando isso dentro do próprio curso, os estudantes de Letras que, em sua maioria são mulheres, decidiram se mobilizar e lutar para que isso tenha um fim.
Entendemos que a Universidade cumpre um papel importante de efervescência intelectual na sociedade, embora ainda sejam poucas pessoas que têm acesso a ela, o que é, também, bastante sintomático da sociedade em vivemos. Sabemos que essa prática não é um caso isolado e que relatos não faltam para exemplificar como o machismo, o racismo e a homofobia são expressos ainda mais fortemente em momentos como o trote, afastando e dificultando ainda mais a permanência dos estudantes na Universidade. Muito embora esteja definido como infração gravíssima no Código Disciplinar Discente da UFRGS, art. 10, “[...] praticar, induzir ou incitar por qualquer meio, a discriminação ou o preconceito de gênero, raça, cor, etnia, religião, orientação sexual ou procedência [...]”, vemos muitos casos acontecerem e nada ser feito.
Embora o que causou a mobilização tenha vindo de um trote da engenharia, ressaltamos o caráter opressor de atitudes que ocorrem nos trotes de muitos outros cursos, inclusive no de Letras, que, como já supracitado, é majoritariamente feminino.
Com isso, entendemos que, como discurso da classe dominante, a opressão pode manifestar-se e ser reproduzida também pelos oprimidos, o que reafirma a necessidade da mudança em situações como o trote, pois, mesmo que essas atitudes demonstrem somente a superfície do problema, é uma oportunidade para que as pessoas possam debater e compreender a situação. A partir disso, comprometemo-nos a tensionar para que os nossos próximos trotes não mais reproduzam esse tipo de atitude.
Dessa forma, pedimos um posicionamento das estâncias institucionais e representativas da Universidade, como o Instituto de Letras, a Escola de Engenharia, o Centro dos Estudantes Universitários de Engenharia, o Diretório Central dos Estudantes e a Reitoria.
Ainda que atitudes que colocam estudantes em situações constrangedoras também estejam a serviço daqueles que se beneficiam do silêncio dos oprimidos, afirmamos que NÃO NOS CALAREMOS! Essa carta registra o início de uma mobilização que precisa ser grande, uma vez que sabemos da dificuldade de desacomodar o que está acomodado e romper com o que exclui, explora e oprime.
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