GUEST POST: TERRORISMO ELEITORAL COM OS MEUS DIREITOS
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GUEST POST: TERRORISMO ELEITORAL COM OS MEUS DIREITOS


Eu estava justamente pensando nisso ontem quando recebi o email da Renata. Eu pensava: é impressionante que logo numa disputa em que, pela primeira vez na nossa história, tivemos duas mulheres concorrendo, uma delas ainda com grandes chances de ser eleita, uma questão como aborto seja colocada como fiel da balança. Mas é fácil descobrir o porquê: se uma mulher faz aborto, ela é vista como uma dupla assassina, do feto e de seu instinto maternal. Por isso que pega tanto chamar Dilma de "matadora de criancinhas". E por isso que boa parte do eleitorado religioso viu em Marina, e não em Serra, uma guardiã contra essas práticas seculares. Por elas serem mulheres, nada mais. Aborto seria um tema principal de campanha se, como sempre, tivéssemos um segundo turno entre dois homens? Não, óbvio que não, porque aborto está sempre relacionado às mulheres. Mas como temos uma mulher concorrendo, nada como fazer com que um tema que interessa diretamente às mulheres — a legalização do aborto — vire assunto central. E, claro, não para discutir a sério uma possível legalização que salvaria a vida de milhares de mulheres todos os anos, mas para condenar uma candidata e tachá-la de “assassina de almas inocentes”. Já foi combinado que a oposição jogará todas as suas fichas nesse discurso do medo (se não acredita, leia a notícia sobre o PSDB distribuindo para seus "militantes" panfleto da Tradição, Família e Propriedade durante as reuniões). Medo de quê, exatamente, eu não sei, já que o aborto não é legalizado por aqui, apesar de décadas de reivindicações de mulheres para que seja. E não será um presidente que irá legalizá-lo. Esse tipo de decisão não cabe ao executivo, mas ao legislativo. E desde quando os brasileiros se preocuparam tanto assim com a questão do aborto ou do casamento gay? Por que o futuro do nosso país tem de ser pautado por obscurantistas religiosos? Dilma vai ganhar, mas fico receosa e triste ao perceber que ainda vivemos num país tão preconceituoso, um país onde “deus” está acima de tudo. Acima das leis, acima da representatividade, acima dos direitos humanos.
Quando eu estava pensando em tudo isso, chegou o email da Rê, que traduziu exatamente o que eu queria dizer, como se estivéssemos num compasso telepático. Renata já colaborou com um ótimo guest post aqui, e ela está no Twitter, pra quem quiser seguir suas palavras sempre inteligentes. Eis o email que ela me mandou:

Estou triste. Eu amo política. Não é só ganhar ou não ganhar, esquerda ou direita... Acho que deve haver oposição e ela é muito necessária, inclusive gosto de debater com quem pensa diferente, sem tentar mudar de opinião. Gosto de acompanhar o dia-a-dia da política, não só em época de eleição. Gosto de ver a coisa funcionando. Enfim, AMO política.
Mas senti que a coisa desandou um pouco nessa eleição. O tom raivoso que já existia na fala dos Arthur Virgílios e Bornhausens da vida se espalhou, e agora estamos no meio de uma controvérsia sobre PNDH3 (Plano Nacional dos Direitos Humanos) em plena eleição. Agora a oposição (nem sei se posso afirmar que é a campanha do Serra, talvez seja mais justo colocar esse sujeito nos 'serristas'), então, os serristas estão usando o PNDH3 como arma contra Dilma.
Direitos da Mulher - contra Dilma
Direitos dos LGBT - contra Dilma
Direitos dos sem-terra - contra Dilma
Acusam Dilma de ser lésbica. Acusam Dilma de apoiar o casamento gay e a adoção de crianças por casais do mesmo sexo. Porra! Então os MEUS direitos e a MINHA identidade agora são arma política? Difamação? Ofensa?
Toda vez que esse tipo de movimento acontece eu sinto a sociedade recuando um pouco nas nossas conquistas. Não as nossas conquistas legais (por enquanto, pelo menos), e sim as nossas conquistas do dia-a-dia. A conquista do direito de não ser xingado na rua, de não ter que ouvir piadinhas de colegas e professores, a conquista de poder fazer compras com parceira(o) de mãos dadas no shopping, a conquista de ser honesto com família e amigos e sentir orgulho dessa honestidade. Tudo isso recua um pouco quando há um movimento em massa em que as pessoas destilam veneno em ataques políticos desse naipe.
Como eu, que sou lésbica e mulher, vou me posicionar nesse sentido? Devo evitar o assunto para preservar minha candidata? Devo entender quando ela recuar um pouco no discurso pró-diversidade para abarcar mais votos conservadores?
Sim, eu vou entender quando isso acontecer. Mas vou continuar triste por ter surgido a necessidade disso acontecer.
E vou ficar aguardando, tendo paciência, até chegar a hora de podermos discutir políticas públicas e direitos humanos sem MEDO de retaliação. Mas até quando essa paciência vai durar não posso dizer.
Algumas pessoas se decepcionam com a política por um cara como o Tiririca ser campeão dos votos em SP. Eu me decepciono quando vejo meus direitos e minha vida sendo utilizados como ferramenta de terrorismo eleitoral.




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