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HÁ DILEMA ENTRE PROMISCUIDADE E FEMINISMO?
Um rapaz, o M., fez várias perguntas:
Tenho algumas questões quanto às posturas do feminismo em relação à promiscuidade. Em primeiro lugar, o que eu chamo de promiscuidade? Na verdade, o que o interlocutor quiser. Um religioso fundamentalista não é o único com uma ideia de promiscuidade, uma mulher pode achar que ficar com um cara por semana não é promíscuo, mas que a prostituição é. Bom, penso então que a promiscuidade é uma palavra geralmente usada para julgar uma pessoa que te ofendeu, de acordo com a sua própria régua. Vamos dizer então que promiscuidade é simplesmente se relacionar sexualmente por esporte, e sem preocupação com o número de parceiros. Os Hare Krishna têm uma regra básica sobre sexo, para ambos os gêneros: só faça se valer muito a pena. É uma ideia contra a promiscuidade e sem traço sexista. As pessoas têm suas criações e limitações psicológicas, e quando escolhem um relacionamento monogâmico precisam seguir e impor certas regras. Vivemos em um mundo de DSTs, sendo que uma bem perigosa para as mulheres, o HPV, pode ser transmitido mesmo com o uso de preservativos. Tendo isso em mente, acredito que várias pessoas têm a vontade (e o direito) de adotarem a não-promiscuidade como valor pessoal, e interessadas em se relacionarem com outras pessoas, precisam sim defender isso perante a sociedade e a educação dada. No feminismo percebi que o ponto central é respeitar o direito de escolha da mulher. Se ela quiser o celibato, deve ser respeitada, se quiser ser promíscua, deve ser respeitada. Do ponto de vista da igualdade de gêneros e da liberdade do ser humano, parece muito bom. Mas na prática, é bom mesmo validar a promiscuidade como opção? Ou pior, a mulher deve ser sempre o meio termo entre santa e puta? Ela nunca pode adotar um dos extremos? Aí vem o meu segundo questionamento, radical: a promiscuidade feminina não é uma instituição patriarcal, TAMBÉM? Uma garota de 12 anos, quando começa a se interessar pelos garotos e a perceber que existe um tal de "ficar" e ela pode fazer isso, certamente é assaltada por um monte de dúvidas e inseguranças ao invés de dar um sorriso pela boa oportunidade que apareceu. Aí vem as amigas, os garotos, os parentes e começam a deixar subentendido: se você não fizer, vai ficar encalhada. O medo da exclusão social catapulta as crianças a imitar comportamentos, seguir modas, ficar com as outras crianças por pressão e apelação, em festas forjadas para facilitar isso. A imagem do pai protetor fica em casa, quase um esquizofrênico sobre a vida que a filha leva. Na rua, e às vezes até por parte da mãe, o que impera é o comando: "arranje alguém". Não vejo liberdade feminina nisso. É (mais um) esquema armado para dar a nós, homens, uma vivência sexual recheada desde a pré-adolescência. As garotas que nos beijavam nas festinhas estavam lá, mas estavam mesmo? Como uma menina que começou a beijar com 11 só aprende a gozar se masturbando com 19, 21, 25? Todas aquelas pegações de adolescente foram feitas pra dar prazer pro cara, não pra ela. Eu sei que existem mulheres muito conscientes do seu prazer e oportunidades sexuais desde muito novas, mas vamos combinar, isso é exceção. Não acho certo, portanto, achar que a promiscuidade é uma porta aberta PARA a mulher. A promiscuidade das mulheres, endossada pelas feministas, é um prazer para os homens. Nada disso que escrevi é a minha crença definitiva, é tudo fruto de reflexão e crítica. Não sou religioso, de família conservadora, ou guardo rancor por alguma mulher "promíscua". Os exageros são mais um jeito de escrever, como se fosse um manifesto.
Minha resposta: Opa, calma aí, M.! Você está confundindo as coisas! Quando você começa a falar em promiscuidade e aí joga meninas de doze anos no meio, seu discurso fica bem escorregadio.Bom, começando do começo. É importante sim definir o que é promiscuidade, porque a definição varia de acordo com o moralismo de cada um. Primeiro que esse é um conceito que parece só existir pra sexualidade feminina. Quantas vezes se fala em "homem promíscuo"? Só se fala se for pra elogiar o "garanhão" por levar tantas mulheres pra cama, e aí não se usa a palavra "promíscuo". Existem duzentas palavras pra se designar uma mulher promíscua em inglês, e nenhuma delas é positiva, simplesmente porque a sociedade não vê promiscuidade feminina como algo positivo. E existem vinte termos em inglês para se falar de homem promíscuo, e nenhuma delas é negativa. Não dá pra fingir que há simetria aí. Ainda convivemos com um padrão duplo de sexualidade fortíssimo. Eu, sinceramente, não saberia como definir promiscuidade. "Uma pessoa que tem várixs parceirxs sexuais"? Mas quantos são vários? Pra muitos conservadores, dois é demais. Pra outras pessoas, dois por semana seria pouco. Uma pesquisa realizada na América Latina revelou que o Brasil é o país onde homens e mulheres têm o maior número de parceiros do continente. Sabe quantos? Doze. Na vida! E aí, uma mulher que tem doze parceiros na vida é promíscua? Um homem que tem doze parceiras na vida é promíscuo? Se suas respostas forem diferentes, lamento dizer que você é machista. Mas qual a necessidade de classificar como promíscua a vida sexual de alguém? Viva e deixe viver. Até porque é tudo muito relativo sim. Tem gente que confunde experiência com número de parceiros, mas olha só: uma mulher que teve só um parceiro, e fez um montão de sexo com ele, três vezes por semana, durante vinte anos, não seria mais "experiente" que uma que teve duzentos encontros de uma noite com duzentos parceiros diferentes? E o que é sexo, afinal? Sexo oral conta? E um beijo caliente? Eu só acho que quem preza tanto a "pureza" (que termo horroroso, argh) de uma pessoa deveria se manter "pura" também. Só que o que tem é homem que acha que sua missão é se relacionar sexualmente com o maior número de mulheres, enquanto procura uma virgem pra casar. Isso é machismo, é hipocrisia, é estupidez. O feminismo luta contra esse padrão duplo, e diz que mulheres devem ser livres para fazer quanto sexo quiserem, com quem quiserem (desde que consentido), quando quiserem, se quiserem. Muita gente crê que essa liberdade "revolucionária" (em outras palavras, querer que mulheres tenham a mesma liberdade sexual que os homens) é um incentivo à promiscuidade. Mas não é. Nenhum feminismo diz que mulheres têm que fazer sexo, com quem, com quantos anos... O que se busca é demolir regras, nunca fixá-las.Agora, é óbvio que muitas correntes feministas questionam o casamento tradicional, a heteronormatividade (que não é o mesmo que questionar a heterossexualidade; a heteronormatividade é a imposição de uma orientação sexual única e indiscutível, pintada como natural), e o relacionamento monogâmico. E, numa sociedade conservadora como a nossa, isso pode ser visto como promoção da promiscuidade.E é muito possível (alguns estudos atestam isso) que feministas (não só mulheres, homens também) fazem mais e melhor sexo que pessoas não feministas: conhecem e aceitam melhor seu corpo, procuram seu prazer e o prazer alheio, experimentam mais, têm menos encucações religiosas, enfim, tudo que vai contra o estereótipo mentiroso do "mal amada". Aliás, mal amado é o machista! E o senso comum devia se decidir: feminista é mal amada ou é promíscua? Já vi bastante gente fazendo essa equação que você mais ou menos faz, M.: feminismo promove promiscuidade feminina e isso é bom para os homens. Hmm, a primeira parte da equação já está errada, como mostrei. E a segunda parte tira a agência das mulheres. Se as mulheres estão mesmo fazendo mais sexo, com mais gente, é porque elas querem. Então, em primeiro lugar, é bom pra elas. Mas também é bom pros homens. Ou deveria ser.Infelizmente, muitos homens veem sexo como um jogo de poder, e entram em parafuso quando uma mulher toma a iniciativa, quando uma mulher só quer sexo, não compromisso sério, quando uma mulher quer tanto ou mais sexo do que ele... Todos esses preconceitos, todas essas besteiras de que devem existir papéis fixos de gênero no sexo, impedem que vários homens aproveitem os avanços da revolução sexual que tivemos nas últimas décadas. Funciona assim: o homem quer transar com aquela mulher. A mulher quer transar com aquele homem. Os dois transam. Ótimo! Aí o cara passa a chamar sua parceira de vadia ou vagabunda, e a julgá-la por ela ter querido transar com ele! Faz algum sentido?Há variações. Tem também o caso do homem que quer transar com aquela mulher, mas aquela mulher não quer (ela tem poder de escolha!). Aí o cara passa a chamar a mulher que não o quis de vadia ou vagabunda. Se ela não transa com ele, é vadia. Se transa com ele, é vadia também. É bem patético. Mas estamos falando de mulheres, não de meninas de 12 anos. Não sei bem em que universo alternativo você vive em que meninas são comandadas a "arranjar homem". A gente vê, sim, na mídia, um estímulo à sexualidade precoce, feito unicamente pra poder vender. Só que isso não tem nada a ver com feminismo. Aliás, dica: quando você vir uma pessoa dizendo "Você precisa arranjar um homem" pra uma mulher ou menina, há enormes chances que ela não seja feminista.
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