Geral
Insensatez em marcha
Rogério Furquim Werneck, O Globo
Há poucos meses era algo que apenas se entrevia. Agora, já não há mais espaço para dúvida. Está havendo uma guinada muito clara na política econômica do governo. Mudaram os objetivos, o discurso e o estilo da condução da política econômica. E, à medida que a percepção da mudança se dissemina, o próprio debate econômico vem tomando outra forma. Ideias equivocadas, que pareciam afastadas para sempre do cerne do debate econômico nacional, voltaram a ter livre curso na mídia, brandidas com deprimente convicção. Em certos círculos, há até um clima de comemoração, quase de euforia, com o que vem sendo saudado como o abandono definitivo da forma de conduzir a política econômica que prevaleceu no país nos últimos 18 anos.
É uma guinada que vem sendo ensaiada desde 2005 e que, em boa medida, teve início efetivo na segunda parte do último mandato do presidente Lula. A diferença é que, até há pouco tempo, o governo tentava dissimular as mudanças e evitar quebras muito ostensivas de regras do jogo ou movimentos excessivamente bruscos na condução da política econômica. Parece já não haver essa preocupação. Mais uma vez, como em 2008-09, a crise mundial está sendo usada como pretexto. A ideia é que, com as economias centrais engolfadas em dificuldades, o País precisa se precaver. E, nessas condições, vale tudo: passa a não existir pecado em nenhum dos dois lados do Equador.
A deterioração do ambiente externo, por mais preocupante que seja, não é justificativa para improvisação, casuismo e arbitrariedade. Muito pelo contrário. É exatamente quando o quadro fica mais adverso e as possibilidades se estreitam, que a manutenção de uma política econômica coerente, crível e previsível se torna mais necessária. Convencido de que havia alta probabilidade de que o país se defrontasse, até o fim do ano, com rápida deterioração do quadro econômico na Europa, o desafio que o Banco Central tinha pela frente era fazer a correção devida na política monetária, mantendo ancoradas as expectativas inflacionárias e preservando a credibilidade da política de metas para inflação. Isso teria exigido correção de rumo mais cuidadosa. Certamente mais suave do que a que, afinal, se viu.
O movimento brusco, ao arrepio de regras básicas de condução da política de metas, teve custo gigantesco em termos de perda de credibilidade e deixou as expectativas inflacionárias completamente desancoradas. O que se espera agora é que a inflação convirja para a meta apenas em 2013. Há pela frente, portanto, um período longo durante o qual reajustes de preços e salários estarão pautados por expectativas de inflação preocupantemente altas. O que deve dificultar ainda mais a lenta convergência da inflação à meta.
Tendo feito aposta tão pesada na deterioração do quadro econômico mundial, o Banco Central, coadjuvado pela Fazenda, se vê agora obrigado a reiterar a cada dia a extensão de sua preocupação com a situação externa. Em contraste com 2008, quando prometeu que tudo não passaria de simples marolinha, o governo se vê compelido a fazer alertas diários sobre a possibilidade de um maremoto. Sobrevenha ou não o quadro externo catastrófico, o certo é que o discurso catastrofista do governo vem tendo um efeito antecipado avassalador sobre decisões de investimento. O que talvez venha a ser visto como uma forma criativa, ainda que não intencional, de contenção da demanda agregada.
É curioso que, não obstante todo o propalado pessimismo do governo com a deterioração do quadro externo, a Fazenda e o Banco Central não conseguiram esconder sua surpresa com a rápida depreciação da taxa de câmbio observada nas últimas semanas. E até hoje recusam-se a reconhecer que esse movimento desestabilizador do câmbio pode ter sido, em boa parte, simples decorrência de efeito colateral da imposição de IOF sobre derivativos. A medida já não faz mais sentido, se é que chegou a fazer. Mas, tendo improvisado, o governo não quer dar o braço a torcer. O pior da improvisação é a ocultação dos seus custos.
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