Geral
Introdução de Privatize Já
Pedro, o Grande, o mais reformista dos czares russos, tentoucolocar seu país na direção ocidental. Certo dia, passandopela cidade de Kazan, a caminho do mar Cáspio, ele visitouduas fábricas de tecidos. Uma era estatal, a outra, privada.Esta impressionou o czar pela limpeza e eficiência, enquanto aestatal o chocou com trabalhadores bêbados e teares quebrados.Tomado por seu desejo de mudar a Rússia, o imperadordecidiu simplesmente doar a fábrica estatal ao empresário.Como resumiu o economista Roberto Campos, o governanteestaria “antecipando-se em quase três séculos ao programa deprivatização por vouchers de Boris Yeltsin”.O caso, um tanto pitoresco, ilustra o que ocorre com enormefrequência: as gritantes diferenças entre a gestão de empresasprivadas e a de estatais. Essas diferenças não ocorrem por acaso.Pelo contrário, seria surpreendente se elas não existissem. Deuma fábrica de Kazan para a outra, não apenas o dono mudava,mas também os incentivos que os funcionários e proprietáriostinham para oferecer serviços melhores e mais baratos, a recompensaque obtinham em troca de ideias inovadoras e os riscosque corriam caso a concorrência fosse mais eficiente que eles.E o principal: para manter a esperança na tecelagem pública,
o czar teria de apostar que os funcionários do governo eram
seres essencialmente bons, movidos apenas por boas intenções
e que acordavam pensando “O que posso fazer hoje pelo meu
país?” Já a aposta na tecelagem privada exigia uma visão menos
ingênua: a de que os seres humanos costumam focar em seus
próprios interesses antes de pensar nos demais.
Três séculos depois, a teoria econômica continua do lado de
Pedro, o Grande. Já a opinião de muitos políticos e eleitores parece
ficar na arquibancada oposta. Persiste entre os brasileiros uma
visão bastante crítica ao processo de venda das empresas estatais.
Uma pesquisa de 2007 feita pelo instituto Ipsos e encomendada
pelo jornal O Estado de S. Paulo mostrou que mais de 60% dos entrevistados
são contra a privatização de serviços públicos. A maioria
absoluta da população condena uma hipotética venda do Banco
do Brasil, da Caixa Econômica Federal ou da Petrobras. Pelo menos
na opinião dos habitantes, privatizar não está na moda no Brasil.
A imagem negativa do conceito de privatização se deve,
além da propaganda política, ao modelo ruim adotado pelos governos,
boa parte deles do PSDB, ao realizar as privatizações a
partir dos anos 90. Os tucanos não tinham forte convicção do
que faziam e realizaram o programa de desestatização em parte
pela extrema necessidade de caixa. Por isso são tão tímidos na
defesa de suas ações. O erro dos tucanos não foi ter privatizado,
mas ter privatizado mal – e pouco.
Para piorar, o cenário econômico internacional se deteriorou
abruptamente logo depois dos principais leilões, com graves
crises internacionais que afetaram o crescimento do país. Essa
coincidência tampouco ajudou a preservar uma boa imagem
das privatizações entre os brasileiros.
O próprio termo “privatização” virou uma espécie de palavrão,sempre usado nas eleições presidenciais para retrataradversários como corsários do patrimônio público e inimigosdo Brasil. O golpe costuma surtir efeito. Em 2006, o candidatoGeraldo Alckmin virou um outdoor ambulante de empresas estatais,com boné, camisa e broches espalhados pelo corpo, tudopara negar que privatizaria. Na eleição seguinte, depois de maisataques do PT, foi a vez de José Serra passar a eleição repetindoque não privatizaria, ao contrário, fortaleceria as empresasestatais. Nenhum deles conseguiu se limpar da mancha de privatizadores;ambos perderam a eleição para o PT.Mas é só as eleições passarem para que os candidatos vitoriosos,de todos os partidos, se esqueçam das controvérsiasde campanha. Um serviço público precisa funcionar de verdadepara evitar fiascos na imprensa mundial durante a Copado Mundo? Privatizem-se os aeroportos. A economia brasileiraemperra, castigada pela péssima infraestrutura do país? Privatizem-se estradas, ferrovias e portos. Todos eles dizem ser contraa privatização. Todos eles sabem, em segredo, que dá maiscerto confiar na iniciativa privada.Boa parte da esquerda acusa o governo de ter dilapidadoo patrimônio nacional com as privatizações. Veremos que issonão passa de uma falácia, e que, acima de tudo, a reação histriônicae até violenta da esquerda organizada interferiu parareduzir o valor oferecido nos leilões. Também se diz, especialmenteentre os sindicatos, que a privatização aumenta o desemprego.Na verdade, após eventuais demissões iniciais, porconta de um quadro desnecessariamente inchado, as empresasprivadas, mais eficientes, costumam se expandir e contratarmuito mais funcionários.Pretendo neste livro desfazer mal-entendidos como essese expor os principais argumentos e fatos em prol das privatizações.Mesmo com as falhas nos processos de venda, o mundoem geral e o Brasil em particular estão repletos de casos bem--sucedidos nessa área, que trouxeram enormes benefícios paraos trabalhadores e os consumidores.O estado brasileiro ainda controla mais de uma centenade empresas, a Petrobras é motivo de “orgulho nacional” paramuitos, outros volta e meia resgatam a ideia de reestatizar aVale, e milhões de brasileiros enxergam o livre mercado comextrema desconfiança, depositando uma fé exagerada no governo.Enquanto isso, seguimos tendo que importar gasolina,a corrupção é enorme e cada vez maior, fruto da concentraçãode poder e recursos no governo, as greves dos “servidores” públicosperturbam nossa vida, e nossa liberdade vive ameaçadapelo excesso de poder econômico do estado.Está na hora de reverter esse quadro, de debater o tema daprivatização sem deixar as paixões cegarem a razão. O estadopode ter um importante papel como regulador, mas inevitavelmentefracassa como empresário. Não se trata de má sorte, e simde sua própria natureza. Se cada um souber seu lugar adequado,então nós, brasileiros, só teremos a ganhar com isso.Vale, porém, fazer um alerta: defender a privatização não significaendeusar o mercado, considerá-lo perfeito. Os defensores daprivatização reconhecem as falhas de mercado, mas entendem queestas costumam ser bem menores que as falhas de governo.Muitos dos que defendem a forte presença estatal cometema “falácia do nirvana”, ou seja, comparam uma realidade imperfeita(falhas de mercado) com uma solução ideal e irrealista(intervenção de um estado benevolente e onisciente). Esse errológico talvez seja a principal razão pela qual tanta gente é levadaa demandar sempre mais governo.Dito isso, privatizar não é uma panaceia, uma medida mágicaque soluciona todos os problemas. Longe disso. Mas é, sim,um passo extremamente importante na direção de mais progresso,mais prosperidade e também mais liberdade.Só parte deste livro trata das polêmicas que o assunto costumaprovocar no Brasil. O resto dele tenta ir mais longe. Querosugerir ao leitor que provavelmente nossa cidade seria maisverde e teríamos uma educação melhor se privatizássemos florestase escolas. Haveria mais prosperidade e liberdade se fossemprivatizados peixes, rios, oceanos, moedas, ruas, rins. (Sim,rins e outros órgãos que as pessoas possuem, mas são proibidasde vender.) Serão interessantes exercícios de imaginação paraaqueles que não se fecham em dogmas.Abrace esta ideia: privatize já.
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